segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Cultura industrial x alianças globais: o caso das mamadeiras.



Este artigo resume a tese de doutorado "O desdesign da mamadeira: por uma avaliação periódica da produção industrial", defendida em março de 2010, na PUC- Rio.

Foi escrito em 2009, originalmente para o congresso ISA-ABRI, de Relações Internacionais, provocando imensa surpresa na assistência quando de sua apresentação, pelo impacto do conteúdo e também pelo inusitado do tema no citado fórum.
Reações semelhantes ocorrem nas diversas oportunidades em que o trabalho vem sendo exposto para áreas diversas da Saúde, como a Educação e o Design, além das Relações Internacionais. O fato é que, para grande parcela da população, questionar a eficácia e adequação da mamadeira persiste sendo uma ideia impensável.

A tarefa maior da autora foi a de reconhecer falhas na formação e na atuação profissional dos designers, profissionais voltados à concepção de produtos industriais, pelo fato de a atividade estar alheia ao problema, tendendo a considerar o produto como "acima de qualquer suspeita" e projetando versões pretensamente mais e mais seguras do objeto em todo o mundo.

Há mais de trinta anos o consenso científico atesta a superioridade do leite humano para a alimentação de recém-nascidos e comprova a grande influência da administração de leites artificiais no aumento das taxas de morbidade e mortalidade infantil. No entanto, ainda hoje tal conhecimento tende a permanecer restrito à esfera da saúde pública nos países signatários das alianças internacionais em prol da causa, escapando ao domínio da sociedade como um todo.

O artigo busca traçar um paralelo entre o saber científico produzido com relação à alimentação artificial de bebês, os avanços industriais alcançados pela produção de mamadeiras e o esforço empenhado por alianças globais no sentido de difundir e defender esse conhecimento.
Considerações finais
Uma intensa movimentação da sociedade civil atua juntamente a instâncias estatais, num trabalho que já completa 35 anos. À revelia desses esforços, porém, a cultura da alimentação artificial e do uso da mamadeira persiste a ponto de os problemas causados por esses produtos serem ignorados por grande parte da sociedade.
Temos como princípio confiar no produto industrial. Até que se prove o contrário. Para se provar o contrário, vítimas e notícias sobre essas vítimas são indispensáveis, seguidas de iniciativas de reação que iniciem uma luta em prol da alteração do produto ou de sua retirada de circulação pela força das leis.
Mas em relatório de maio deste ano, a IBFAN noticiou que todos os países europeus, com exceção de Noruega e Luxemburgo, desceram de categoria na escala que mede o nível de esforços governamentais para proteger a amamentação, falhando em cumprir as exigências mínimas estabelecidas pelo Código Internacional para Comercialização de Substitutos do Leite (www.waba.org.my).


O poder do mercado demonstra estar conseguindo driblar tantos esforços.
Sublinha-se, pois, a relevância do tema em pesquisas, estudos e ações nas áreas de Relações Internacionais, Direito e Design, para além da área da Saúde. Interseções do assunto com o âmbito dos direitos humanos revelam violações, com o tolhimento de muitas populações ao acesso à saúde, ao desenvolvimento e à conseqüente paz social.

Vem ocorrendo também um grande e perigoso equívoco com relação à ajuda humanitária arregimentada pelos meios de comunicação, pelas ONGs e agências doadoras: a ideia de que a administração indiscriminada de leites artificiais por mamadeiras a populações vitimadas por emergências ou concentradas em campos de refugiados contribuirá para salvar vidas. A declaração do Ministro da Saúde do Sri Lanka — país com altas taxas de aleitamento exclusivo — após o tsunami de 2004, fornece eloquente argumento para a campanha da WABA de 2009, “Amamentação: uma resposta vital à emergência”:

Um grande problema foi a distribuição de fórmulas infantis às mães que amamentavam sem o controle adequado por parte dos doadores e ONGs que atuaram emocionalmente, sem base científica, não contemplando os perigos da alimentação artificial em situações de desastre. Ademais, os meios de comunicação pediram ao público ajuda com doações de leites artificiais e mamadeiras. O Ministério da Saúde teve que superar muitos obstáculos para assegurar que as mães continuassem amamentando e não aplicou a insustentável e potencialmente perigosa prática de usar fórmulas infantis (folder da campanha).

Com relação às atuais diretrizes ambientais e de responsabilidade social, o tema desvela uma alta concentração de irregularidades que abafam o fato de a amamentação ser uma resposta pré-existente e eficaz ao desperdício de recursos naturais e um instrumento promissor para a busca política de condições sociais menos excludentes.

Da parte do Design, trabalha-se pelo reconhecimento de que não pode continuar pesando sobre os ombros dos Estados, dos órgãos de controle, das próprias indústrias e setores de comercialização de produtos ou dos meios de comunicação, a responsabilidade integral pelo acesso da sociedade a produtos que prejudicam a integridade humana e a sustentabilidade ambiental. Todo profissional que concebe produtos é participante da rede que os edifica e dissemina no seio da sociedade, e ele não pode permanecer acriticamente isento de responsabilização pelos efeitos de seu trabalho.

Nossa tarefa deve concentrar-se em auxiliar o trabalho de resgate da prática da amamentação e o projeto de meios mais adequados para alimentar bebês nas ocasiões em que o aleitamento não for possível (como o copinho, que permite que a sucção se realize de maneira natural).
Pois, como afirma Paola Antonelli, curadora da exposição “Safe: design takes on risk”, ocorrida em 2005 no MOMA, o desafio que sempre se apresenta à profissão é o de contribuir para tornar as mudanças viáveis, compreensíveis e acessíveis às pessoas, provendo proteção e segurança sem sacrificar a necessidade de inovação e invenção.

Autora: Cristine Nogueira Nunes (Design - PUC-Rio) cristinenogueira13@gmail.com
Orientação: Luiz Antônio Luzio Coelho (Design - PUC-Rio)
Co-orientação: Myrian Sepúlveda dos Santos (Ciências Sociais - UERJ).
Artigo completo: www.aleitamento.com