quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A abordagem multidisciplinar no tratamento do paciente psiquiátrico



Transtornos psíquicos exigem clínicos capacitados na atenção primária
Evento promovido pela Câmara Técnica de Saúde Mental do Cremesp discutiu a medicina psiquiátrica desenvolvida junto às comunidades menos favorecidas socioeconomicamente, propiciando aos médicos um diálogo mais efetivo, com uma linguagem e um saber mais próximos à realidade desses pacientes

A prevalência de transtornos mentais na população – que representa cerca de 25% dos atendimentos nos serviços de saúde – exige que a atenção primária disponha de médicos clínicos capacitados para essa demanda. Além disso, é necessária maior proximidade do atendimento psiquiátrico com a comunidade, qualificação dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e conexão com o Programa Saúde da Família (PSF), incluindo desenvolvimento de tecnologias adequadas ao contexto brasileiro, trabalho em equipe (matriciamento), implementação de mudanças organizacionais nos serviços (com metas de atendimento) e o treinamento dos psiquiatras para lidar com a atenção primária.

O papel dos médicos e das equipes multidisciplinares diante do atendimento à saúde mental nos Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF), PSF e Unidades Básicas de Saúde (UBS) e da gestão desses serviços, assim como reabilitação psicossocial e pesquisas científicas, foram debatidos durante o Simpósio Psiquiatria Social e Comunitária, realizado no dia 27 de novembro, na delegacia regional da Vila Mariana do Cremesp. O evento foi organizado pela Câmara Técnica de Saúde Mental da instituição, sob a coordenação do conselheiro primeiro-secretário, Mauro Aranha, e por Rodrigo Fonseca Martins Leite, supervisor técnico de Saúde Mental da Associação Congregação de Santa Catarina.

De acordo com Mauro Aranha, o evento se propôs a discutir a medicina psiquiátrica – em grande parte instruída por técnicos e pela hiperespecialização – desenvolvida junto às comunidades menos favorecidas socioeconomicamente, propiciando aos médicos um diálogo mais efetivo, com uma linguagem e um saber mais próximo à realidade desses pacientes. “Se eles atuarem justamente em áreas de maior vulnerabilidade social, saberão o que essa população precisa e não apenas o que resulta de pesquisa. A questão passa também por gestão pública, política de incentivos para médicos e pela formação universitária do profissional, que precisa estar mais presente nas UBSs e NASFs”, diz.

O evento, realizado no dia 27 de novembro, contou com a presença de psiquiatras, clínicos gerais, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, estudantes e pacientes, que lotaram o auditório da Delegacia Metropolitana da Vila Mariana.

Integração das equipes
O psiquiatra e escritor Leon de Souza Lobo Garcia, em sua palestra Razões Históricas e Tendências Atuais da Saúde Mental na Atenção Primária, lembrou que, nos anos 50 e 60, os médicos estavam focados em salvar vidas e não tinham tempo para dedicar-se à saúde mental. A percepção da necessidade de integrar os serviços surgiu depois, com a análise mais profunda sobre a problemática social, condições de renda e moradia e a questão da violência doméstica.

A partir de uma experiência piloto em São José do Murialdo (RS), foram implantadas miniequipes de saúde mental nas UBS em São Paulo, mas sem integração entre clínicos e psiquiatras. Essa questão foi inserida na portaria do Ministério da Saúde nº 154, de 24/01/2008, que criou o NASF, buscando instituir a integralidade dos cuidados físico e mental aos usuários do SUS, ao propor a inclusão da complementaridade do trabalho das equipes do PSF.

Leite ofereceu um panorama da cobertura do NASF, Programa Saúde da Família (PSF) e Unidade Básica de Saúde (UBS) e lembrou que a exposição à violência e a eventos estressores, consumo de substância psicoativas e o envelhecimento da população, entre outros fatores, têm contribuído para aumentar os transtornos mentais na população. Por outro lado, o médico da atenção primária tem sobrecarga de trabalho e atua sem capacitação adequada para o atendimento psiquiátrico, além de ser descrente da eficiência do tratamento.

Gestão dos serviços
A inexistência de indicadores de qualidade e avaliação sistemática, a polarização ideológica versus evidências científicas e a falta de referência de outras unidades nacionais e internacionais são algumas das dificuldades na administração dos serviços de saúde mental, apontadas por Leite, que atua nas áreas de Pedreira e Cidade Ademar, em São Paulo.

No mesmo painel sobre gestão, Renato José Vieira, coordenador do pronto-socorro e supervisor de psiquiatria do Hospital M’Boi Mirim, dividiu com os presentes os dilemas ocasionados pelas três vertentes de difícil administração: facilidade de acesso, qualidade de atendimento e custo reduzido.

Já Renério Fráguas Filho, psiquiatra e professor do Instituto de Psiquiatria do HC Fmusp, indicou algumas pistas para o treinamento das equipes, a partir dos instrumentos para detecção de depressão pelo médico generalista, enquanto Paulo Rossi Menezes, professor de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da USP, abordou as evidências científicas em psiquiatria social e comunitária fornecidas pela epidemiologia no debate moderado por Luizemir Wolney Carvalho Lago, coordenadora de saúde mental da Secretaria de Saúde de São Paulo.

No painel sobre Reabilitação Psicossocial, a questão do estigma e da psicoeducação, assim como a experiência do HC Fmusp, foi apresentada por Renato Luiz Marchetti, coordenador do Projeto Epilepsia do hospital. Também foram expostos os atendimentos nos Caps e no modelo Hospital Dia, respectivamente por Mário Dinis Martins Lameirão Mateus, psiquiatra do setor de avaliação de serviços e políticas de saúde mental do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Unifesp, e Renato Del Sant, diretor do Hospital Dia de Adultos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Fmusp.

CREMESP - Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Edição 277 - 12/2010
SAÚDE MENTAL (pág. 11)
http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=1385

2 comentários:

  1. Camila e amig@s de Araxá, penso que a tenão aos portadores de saúde mental, exige um novo cuidado, e porisso revoluciona toda prática clínica.
    Não existe espaço para a escuta na atenão antiga, ortodoxa, da medicina de aparelhos e exames, porém, com carência de afeto e vínculo.
    O portador de sofrimento mental traz um a voz, uma hist´ria... E sem a sua voaz e a sua história, sua alma não é desnudada, ainda que dissecada por exames que mostrarão um corpo e não conseguirão desvelar seus sonhos e desejos.
    Isto revoluciona... Pois, não há problemática humano que possa encontrar saídas , somente na química, e, assim, se emerge um sujeito, nós , também, trabalhadores, deixamos de ser apenas um apêndice dos aparelhos e um executor de números num plenejamento alheio ao nossos sonhos e desejos.
    Re-toma-se, assim, a clínica como encontro.
    Abraços Jorge Bichuetti

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  2. Amigo Jorge,
    penso que esse novo cuidado é uma revolução a cada momento, uma redescoberta dos espaços, dos indivíduos, dos profissionais, uma evolução dos afetos no caminhar clinicando junto, na abordagem humana e povoada de desejos de mais vida...que fertiliza a realidade respeitando o direitos de "SER", estar e crescer na liberdade voraz pela vida.
    Sei que em muitos momentos nos deparamos na clínica com repetições, não acontecimentos e situações angustiantes, paralisantes, normatizantes, que agridem e invadem o humano-afeto-desejante, estriando espaços e aprisionando a vida. Mas, aí é preciso lembrar, como bem disse, A CLÍNICA É ENCONTRO, se é encontro, é vida... E se há vida, muito é possível, passível de transformação e produção de acontecimentos vívidos...Que consigamos identificá-la e multiplicá-la!
    Obrigada pelas palavras e pela ternura.

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