Existem dois tipos de apoio matricial. O apoio gerencial e o apoio temático. Ou seja, no primeiro caso a gestão inclui a “função apoio” no organograma e na forma de trabalhar muitos dos processos de decisão, na medida em que busca contribuir para aumentar a capacidade de análise e intervenção das equipes nas organizações. Em vez da supervisão taylorista e da divisão corporativa de poderes, uma divisão com uma certa adscrição na organização e apoio a uma singularização das atividades em oposição a uma padronização. Por exemplo, uma equipe de Saúde da Criança em um Município se dividiria se houvesse três pessoas na equipe, em três regiões, de modo que cada um pudesse seguir com um certo vínculo os mesmos serviços. Da mesma forma uma coordenação de enfermagem em um hospital. Ao trabalharem com apoio vão buscar contribuir a partir do seu olhar “geral” ou a partir de um tema ou corporação, com uma equipe interdisciplinar (de referência) . Diferente do tradicional “cumpra-se”, que espera a obediência devida, o Gastão diz que o apoiador chega em uma equipe “como quem chega na casa dos outros”, com ofertas, com propostas, mas também com cuidado e respeito. No limite trata-se de uma ferramenta de combate à separação entre quem pensa (e sabe) de quem executa. Se realmente se acredita que todos sabem, e não apenas os chefes e os experts, aí está a oportunidade de experimentar isto. Aí está uma importante contribuição à construção de organizações mais democráticas, ao enfrentamento da poderosa associação entre poder e saber.
O outro tipo de apoio matricial é o do "especialista". Implica num processo de personalização do sistema de saúde (ou será humanização?). Quer dizer, em vez das pessoas responsáveis por procedimentos (consultas, exames, atendimentos etc), busca definir pessoas responsáveis por pessoas. Implica num processo de adscrição generalizada da clientela, a partir da atenção básica. Um hospital precisaria se regionalizar, conhecer sua dupla clientela: usuários e serviços “compartilhantes”. Neste processo alguns serviços vão sentir a necessidade, não só de pactuações detalhadas, mas também de apoio matricial. Ou seja, de ir discutir os casos compartilhados, ou os temas que tem trazido alguma dificuldade ao trabalho conjunto, com as equipes de outros serviços. O especialista em Saúde Mental, por exemplo, vai a uma equipe discutir o caso da D. Maria. Ou vai discutir o tema da “depresão”... (Esta proposta ajudaria muito no combate ao desperdício de tempo e recursos qu ocorre hoje, quando municípios compram número de consultas em ambulatórios, por exemplo de dermatologia, cardiologia etc... para que servem estas compras? Em um grande número de vezes não serve para nada e é um "saco sem fundo"... quanto mais se compra, mais falta. Com a lógica do apoio matricial buscar-se-ia definir responsabilidades e mecanismos de comunicação para os tipos de serviço que compartilham pacientes crônicos, ou com muita gravidade.)
Quais os principais obstáculos? Primeiro é que esta ferramenta também pode fazer o contrário do que se deseja, ou seja, aumentar o poder do especialista, medicalizando a população através de uma “instrumentalização” das equipes “menos sabidas”. Outro dia assisti uma aula de uma geneco-obstetra devidamente credenciada pela academia, para um grupo de médicos e enfermeiros da rede básica. Nesta aula pude depreender o seguinte pressuposto: “a gravidez e o aleitamento são um mal necessário. Coisas terríveis cheias de riscos e dificuldades que demandam de nós uma luta sem trégua contra o risco de doenças e intercorrências...” Mil vezes cada um, principalmente cada uma, apenas com a sua experiência pessoal do que com esta desastrosa contribuição. Paradoxalmente, descontado este pressuposto houve também, dentro da mesma aula, contribuições úteis. Na verdade, como regra geral, toda vez que um especialista está falando de problemas muito prevalentes ou de "não-doenças" (menopausa e gravidez, por exemplo), deve-se ficar com as barbas de molho: lá vem iatrogenia.
Se os profissionais são complementares, se os serviços são complementares, se existe a necessidade de aumentar a transversalidade, a comunicação entre os diferentes, esta comunicação tem que se dar em um processo crítico em relação ao suposto poder/saber. Este é um grande obstáculo, inclusive cultural. Porque que existe um forte desejo de soluções mágicas, simplistas e sem efeito colateral. Como se nossas intervenções pudessem todas elas ter a potência de uma vacina contra pólio ou uma terapia de reidratação oral. Condutas quase mágicas de tão potentes e indiferentes a outras forças do mundo. Como não é assim, então as conversas de “apoio” tem que supor sabedoria, mas também a ignorância do especialista, por causa deste contexto mítico em que vivemos. A falsa segurança de protocolos e médias não invalida estas médias e estes protocolos, nem os estudos baseados em evidências, nem aqueles que neles se baseiam. Têm potência, muita potência. Só não tem onipotência. A proposta de apoio matricial também tem potência, mas não tem onipotência. E tem riscos como qualquer proposta.
É necessário que o apoio matricial seja parte de um processo de re-invenção de novas organizações e relações, e não uma ferramenta isolada num contexto extremamente hierarquizado.
Gustavo Tenório seg, 20/07/2009 - 11:06
Rede HumanizaSUS
O outro tipo de apoio matricial é o do "especialista". Implica num processo de personalização do sistema de saúde (ou será humanização?). Quer dizer, em vez das pessoas responsáveis por procedimentos (consultas, exames, atendimentos etc), busca definir pessoas responsáveis por pessoas. Implica num processo de adscrição generalizada da clientela, a partir da atenção básica. Um hospital precisaria se regionalizar, conhecer sua dupla clientela: usuários e serviços “compartilhantes”. Neste processo alguns serviços vão sentir a necessidade, não só de pactuações detalhadas, mas também de apoio matricial. Ou seja, de ir discutir os casos compartilhados, ou os temas que tem trazido alguma dificuldade ao trabalho conjunto, com as equipes de outros serviços. O especialista em Saúde Mental, por exemplo, vai a uma equipe discutir o caso da D. Maria. Ou vai discutir o tema da “depresão”... (Esta proposta ajudaria muito no combate ao desperdício de tempo e recursos qu ocorre hoje, quando municípios compram número de consultas em ambulatórios, por exemplo de dermatologia, cardiologia etc... para que servem estas compras? Em um grande número de vezes não serve para nada e é um "saco sem fundo"... quanto mais se compra, mais falta. Com a lógica do apoio matricial buscar-se-ia definir responsabilidades e mecanismos de comunicação para os tipos de serviço que compartilham pacientes crônicos, ou com muita gravidade.)
Quais os principais obstáculos? Primeiro é que esta ferramenta também pode fazer o contrário do que se deseja, ou seja, aumentar o poder do especialista, medicalizando a população através de uma “instrumentalização” das equipes “menos sabidas”. Outro dia assisti uma aula de uma geneco-obstetra devidamente credenciada pela academia, para um grupo de médicos e enfermeiros da rede básica. Nesta aula pude depreender o seguinte pressuposto: “a gravidez e o aleitamento são um mal necessário. Coisas terríveis cheias de riscos e dificuldades que demandam de nós uma luta sem trégua contra o risco de doenças e intercorrências...” Mil vezes cada um, principalmente cada uma, apenas com a sua experiência pessoal do que com esta desastrosa contribuição. Paradoxalmente, descontado este pressuposto houve também, dentro da mesma aula, contribuições úteis. Na verdade, como regra geral, toda vez que um especialista está falando de problemas muito prevalentes ou de "não-doenças" (menopausa e gravidez, por exemplo), deve-se ficar com as barbas de molho: lá vem iatrogenia.
Se os profissionais são complementares, se os serviços são complementares, se existe a necessidade de aumentar a transversalidade, a comunicação entre os diferentes, esta comunicação tem que se dar em um processo crítico em relação ao suposto poder/saber. Este é um grande obstáculo, inclusive cultural. Porque que existe um forte desejo de soluções mágicas, simplistas e sem efeito colateral. Como se nossas intervenções pudessem todas elas ter a potência de uma vacina contra pólio ou uma terapia de reidratação oral. Condutas quase mágicas de tão potentes e indiferentes a outras forças do mundo. Como não é assim, então as conversas de “apoio” tem que supor sabedoria, mas também a ignorância do especialista, por causa deste contexto mítico em que vivemos. A falsa segurança de protocolos e médias não invalida estas médias e estes protocolos, nem os estudos baseados em evidências, nem aqueles que neles se baseiam. Têm potência, muita potência. Só não tem onipotência. A proposta de apoio matricial também tem potência, mas não tem onipotência. E tem riscos como qualquer proposta.
É necessário que o apoio matricial seja parte de um processo de re-invenção de novas organizações e relações, e não uma ferramenta isolada num contexto extremamente hierarquizado.
Gustavo Tenório seg, 20/07/2009 - 11:06
Rede HumanizaSUS
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