quinta-feira, 28 de abril de 2011

CAPS: o que é isso?


A psicose não é defeito/déficit na racionalidade. Ela é desrazão, nem menos, nem mais, é uma outra forma de funcionamento, assim, como o mítico e o poético.
Bichuetti


Atualmente, fala-se muito em todo o país sobre a Luta Antimanicomial, mas desinstitucionalizar a loucura não é um processo apenas técnico, jurídico, legislativo ou político.
A Reforma Psiquiátrica é muito mais do que derrubar os muros e grades dos manicômios, desativar celas fortes, proibir eletrochoque, “sossega-leão” ou camisa de força. Primeiro, é preciso quebrar dentro das pessoas o preconceito de que o “louco” é perigoso, inválido, improdutivo e irresponsável. Mesmo porque, a agressividade que ele, por vezes apresenta nas crises, ocorre muito mais por inabilidade ou violência dos familiares ou falta de capacitação do profissional de saúde.
A desinstitucionalização da loucura não ocorre por decreto, portaria ou lei. Ela se dá no cotidiano, e a efetividade das transformações só será possível quando toda a sociedade assumir o desafio de conviver com a diferença e aceitar a diversidade.
Dentro dessa lógica, surge o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) um serviço público de saúde mental que visa prestar atendimento às pessoas com sofrimentos psíquicos graves e persistentes, diminuindo e evitando internações psiquiátricas. Os usuários voltam para casa todos os dias, sem a quebra dos laços familiares e sociais, fator muito comum em internações de longa duração.
A clínica antimanicomial busca amenizar e cuidar da crise aguda sim, para que as pessoas possam recuperar a autonomia e se inserir nas atividades cotidianas. Assegura a monitoração apropriada da medicação, oferece assistência social, apoio familiar, espaço para a elaboração psicológica (psicoterapia), a terapia de grupo e oficinas terapêuticas (trabalhos manuais, culinária, esportes, música, poesia, tecelagem costura etc.). Assim, a crise não é vista como um transtorno ou um incômodo e o CAPS oferece um território continente e acolhedor marcado pela maternagem e a reconstrução do convívio social.
No CAPS, todas as práticas são integradas desenhando um projeto terapêutico individualizado para cada paciente e não, um tratamento padronizado. Todos os profissionais que lá trabalham têm que ter um objetivo comum: a valorização do paciente psiquiátrico e sua possibilidade de reprodução social.
É essencial que haja supervisão externa e formação permanente dos profissionais, para que não se tornem meros “consertadores” em saúde mental.
É preciso cuidar para que as práticas dos profissionais de saúde mental do CAPS não se reduzam à divisão de tarefas, cada especialista desempenhando sua função isoladamente. Esse funcionamento pode reforçar o sofrimento dos usuários em doença mental.
Segundo a Linha Guia de Saúde Mental do Ministério da Saúde:

Não se pode definir uma equipe como um aglomerado de trabalhadores, na qual cada um deles exerce apenas a sua função profissional específica. As identidades profissionais não podem servir de pretexto para o apego burocrático a uma função. Se é verdade que compete ao médico prescrever, o que o impede de levar os usuários a um passeio? Se a psicóloga deve responder por atendimentos individuais, por que não pode coordenar uma oficina? Se for atribuição da enfermeira supervisionar o trabalho dos auxiliares de enfermagem, por que não pode escutar e acompanhar seus pacientes? Se o porteiro deve zelar pelos que entram e saem, não lhe cabe também fazer companhia a quem fica? Também não podemos entender as equipes apenas como uma forma de dividir o trabalho, em que cada um faz “a sua parte”, sem necessitar preocupar-se com o produto total. Uma equipe de Saúde deve compor-se de profissionais de formações diferentes, assegurando assim a diversidade de suas funções e a troca de suas experiências. Naturalmente, as especificidades das diferentes profissões devem ser respeitadas.

Para Bichuetti (2010)
O CAPS não funciona numa perspectiva manicomial. Se assim o for, pode ser um ambulatório ou algo similar, não um CAPS. O manicômio é mais que um lugar de portas fechadas. É a especialização, a segmentação, as divisões que limitam a comunicação e influenciam no viver da clínica. Para Rotelli, é o lugar de troca zero. Estamos inventando um “entre” para o diálogo? O saber de alguém anula o desejo do outro? Porque podemos estar fragilizando as trocas e reinstituindo o manicômio. (...) No antimanicomial, a circulação é importante. É proibido entrar na cozinha, mas em casa entramos, temos acesso livre. Não tem como trabalhar sem maternagem no CAPS, não há CAPS sem festa: o CAPS não pode se converter num aparato cinzento de intervenções anêmicas e de silêncio normatizador.

O CAPS trabalha bastante articulado com a rede de serviços da região, pois tem a função de dar suporte e supervisão à rede básica também, além de envolver-se em ações intersetoriais – com a educação, trabalho, esporte, cultura, lazer etc. – na busca de reinserção dos seus membros em todas as áreas da vida cotidiana. As intervenções terapêuticas no espaço extra institucional são muito importantes. A ação terapêutica pode se dar durante os passeios, viagens, excursões, no clube, no cinema, na piscina, no campo, na cachoeira, nas bibliotecas, no restaurante, no bosque, no shopping, nos museus e em todos os espaços onde os sujeitos possam exprimir e exercitar sua subjetividade.
Existem algumas modalidades de CAPS, de acordo com as diferentes necessidades de cada território: CAPS I – para municípios com populações entre 20.000 e 70.000 habitantes, CAPS II – para populações entre 70.000 e 200.000 habitantes, CAPS III - acima de 200.000 habitantes (esse é o único que funciona 24 horas, incluindo feriados e fins de semana). CAPSi – atende crianças e adolescentes (até 17 anos de idade), e CAPSad – atende, especificamente, usuários de álcool e outras drogas cujo uso é secundário ao transtorno mental clínico.
Enfim, aquele que procura esse serviço de saúde mental não é um doente, mas uma pessoa em desequilíbrio, uma subjetividade, uma singularidade. A tarefa da equipe é facilitar o seu processo de descoberta de um modo menos doloroso de autoexpressão para ele e sua família, acompanhando a transformação de sua vida concreta e cotidiana, que alimenta o sofrimento.
A nova clínica antimanicomial acolhe os sujeitos e não somente a patologia, e é realizado “um trabalho de colagem dos pedacinhos. Remontagem de sentido e de valor. A busca meticulosa do tesouro contido na desordem, no caos” (MELMAN, 1999).
Conclamo o envolvimento de toda a sociedade e o apoio político e operacional dos governantes para que o CAPS de Araxá seja credenciado pelo Ministério da Saúde.

Angela Maria Amâncio de Ávila - Psicóloga- CRP-04/2683

2 comentários:

  1. Queridas Guerreiras, abraços e belíssimo texto; cheio de informações sobre algo que muda a vida e a cidade.
    Caps i uma escola da liberdade, da solidariedade, da arte-vida, cuidado-acolhimento e amor universal.
    Abraços com carinho, Jorge Bichuetti

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  2. Desculpem caros leitores, o presente texto foi publicado na coluna PSICOLOGIA do Jornal O PLANALTO.

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