quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Convivência é o Melhor Remédio



As vozes que já deram tom ao choro da depressão ou gritaram por socorro diante das alucinações hoje cantam músicas suaves. As mãos que um dia ameaçaram dar fim à própria vida tecem colchas, cozinham quitutes e dão forma à arte feita em madeira. Em centros de convivência, um dos componentes do tratamento substitutivo aos manicômios, pacientes de saúde mental encontram o caminho da cura por meio de oficinas de arte, culinária e esportes e a partir da conjugação do verbo conviver. Pioneiro em Belo Horizonte, que conta com nove dessas unidades, o formato terapêutico deu tão certo que foi incorporado como modelo de reabilitação psicossocial pelo Ministério da Saúde, em 2004. O encaminhamento do usuário é feito pelos médicos dos postos de saúde ou dos Centros de Referência de Saúde Mental (Cersams). O paciente é convidado a adotar remédios como a música, teatro, dança, artes plásticas, culinária e esportes. “Por causa dos mitos da periculosidade e da incapacidade produtiva, essas pessoas foram retiradas do convívio em sociedade. Estamos provando no cotidiano que o contrário é possível”, afirma Marta Soares, gerente do Centro de Convivência São Paulo, na Região Nordeste de BH, o mais antigo da capital, fundado há 16 anos. Além dos mais de 100 usuários da rede de saúde mental, frequentam o espaço adolescentes e crianças. “Acredito que esses jovens poderão ser mais conscientes, pois crescem vendo aspectos sérios da condição humana”, ressalta. Frequentador do Centro São Paulo, Sérvio Sadi, de 46 anos, descobriu nas oficinas de pintura e desenho uma profissão. E mais: a importância da reforma psiquiátrica. “Quero mostrar para a sociedade que temos que acabar com a discriminação e fazer com que compreendam que nós temos valores. Saúde mental para todos!”, afirma. Colega dele no espaço, Maria Auxiliadora esteve internada em um hospital psiquiátrico por um ano e 45 dias, mas foi nas aulas de música que encontrou tratamento. “Deixo qualquer coisa que estou fazendo para vir para cá. Tenho um vazio muito grande dentro de mim e a música é uma coisa que me dá prazer”, afirma. Três vezes por semana, ela entoa canções e ensaia com os demais componentes do Coral Devotos de São Doidão.

Cooperativa

Nos centros de convivência, além de recuperar a autoestima e refazer vínculos sociais, os usuários podem gerar renda. Parte das produções das oficinas é comercializada no Coisa de Louco Bazar e o artista recebe uma porcentagem da venda. Criada e gerida por frequentadores de centros de convivência, a cooperativa Suricato – Associação de Trabalho e Produção Solidária também abre as portas do mercado para quem carrega o estigma do transtorno mental. A incubadora mantém quatro grupos de trabalho: mosaico, marcenaria, costura e culinária. Nilza Belisário Geraldo, de 54, participa da turma da cozinha. “Sempre sonhei em ser salgadeira, tive oportunidade de fazer o curso no Fórum Mineiro de Saúde Mental e agora estou trabalhando. Com o pouquinho que recebi, comprei uma colcha”, conta. O marceneiro Cleiton Xavier, de 28, há quatro integra a cooperativa. Para ele, a recompensa é muito maior que o dinheiro das vendas. “Tenho desenvolvido um trabalho promissor na Suricato. Até abri uma caderneta de poupança para mim. E aqui ainda existe a solidariedade, a união. Encontrei o outro lado da minha vida, a alegria. Já diminuíram a dose do meu remédio, melhorei muito. Eu achava que ia parar numa camisa de força. Achava que as pessoas iam olhar para mim com preconceito, porque o pessoal lá de fora não tem compaixão com quem tem sofrimento mental”, afirma.

www.uai.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário