Olá, meu nome é Lilian. Trabalhei vários anos num CAPSIII na cidade de Campinas/SP, inserção que encerrei para fazer doutorado em Saúde Coletiva. Meu objeto de estudo foi justamente o trabalho dos técnicos de referência e das equipes de referência junto a pacientes psicóticos. Fiz grupos focais com trabalhadores, usuários e familiares dos CAPSIII de Campinas, para compreender o modo como eles conceituam, experimentam e avaliam as funções desempenhadas pelas equipes de referência. Além disso, fiz entrevistas com usuários dos CAPS, para compreender como o trabalho de referência é localizado em suas vidas e tratamentos, como o experimentam, qual seu sentido e valor terapêutico. Defendi a tese recentemente (19 de junho), por isso ainda não consegui publicar artigos com os resultados e reflexões finais. Mas, aproveito o fórum para lhes enviar a tese. No meio da pesquisa publiquei um artigo na Revista de Saúde Pública, que também envio em anexo, caso se interessem. De modo geral, o que os usuários e familiares com quem pude trabalhar na pesquisa mostraram, foi que os profissionais de referência têm papel fundamental na estruturação do tratamento e no acompanhamento do dia a dia. Tal papel, na perspectiva deles, se fundamenta em encontros frequentes e em relações confiáveis, marcadas pela possibilidade de serem acolhidos e reconhecidos singularmente, a despeito de vivências que parecem estranhas para outrem. Entretanto, o que me pareceu mais interessante nesse material foi a ênfase que eles deram numa função dos profissionais de referência que chamei de mediação do cotidiano. Esses sujeitos defenderam que a sustentação da relação com os profissionais de referência se dá na possibilidade de contar com estes para questões práticas do dia a dia, como preenchimento de laudas para aquisição de benefício, marcação de médicos e acompanhamento até eles, ajuda para procurar um lugar de moradia, visitas em suas casas, ajuda para procurar trabalho, dentre outros. Os profissionais, por sua vez, preocupam-se com a clínica possível para uma função que abrange tamanha diversidade de papéis. Preocupam-se também com posicionamentos invasivos e onipotentes que podem ser gerados quando assumem um acompanhamento tão amplo. De todo modo, avaliam que a construção do caso clínico e o trabalho em equipes de referência podem ser recursos potentes para lidar com esses possíveis problemas. A totalidade dos sujeitos com quem trabalhei indicou que o trabalho de referência é um dos principais recursos de gestão da clínica nos Caps. Recurso este que requer constante debate e alimentação teórica. Gostei muito de saber que este foi o primeiro tema escolhido no fórum e, ainda mais, do texto do Freud indicado para reflexão. Na tese, utilizei a teoria freudiana, juntamente com a winnicottiana, para discutir a clínica possível no trabalho de referência. Concluí que as regras técnicas freudianas, entendidas como conformadoras de um campo ético, podem ser utilizadas como balizamentos para os profissionais de referência, que precisam estar disponíveis para acolher e acompanhar frequentemente, em diversas áreas da vida dos pacientes, mas precisam fazê-lo de modo que suas pretensões onipotentes de tudo ouvir e saber estejam barradas. A supervisão e o trabalho em equipe parecem ser importantes agentes com que podemos contar para isso.
Espaço Saúde Mental - Ambiente Virtual de Aprendizagem - Escola de Saúde Pública de MG
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