quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A Perigosa Moda de Trabalhar com Grupos na Área da Saúde

As transformações socioeconômicas e tecnológicas atuais estão modificando profundamente a existência das pessoas, comunidades e organizações, o que tem exigido dos profissionais de saúde novas metodologias, além de tratamento, a promoção da saúde social.
A intervenção grupal nos últimos anos é desenvolvida nos vários níveis da área de saúde constituindo um dispositivo valioso seja com grupos terapêuticos, grupos de convivência, grupos comunitários, grupos de educação em saúde e outros. Grupos de idosos, adolescentes, pais, mulheres na menopausa, gestantes, casais, nutrizes, familiares, hipertensos, diabéticos, mastectomizadas, dependentes químicos, neuróticos etc.
Por paixão, surgimento de problemas ou para cumprir alguma encomenda, muitos profissionais de saúde, se organizam em torno de um tema cuja complexidade exige intervenções de diversas áreas, geralmente sem ouvirem a demanda real, desejo ou necessidades da clientela e implantam um determinado programa.
O que é preocupante é observar que raramente existe conhecimento a respeito das teorias e práticas grupais entre os que conduzem os grupos.
O grande perigo neste caso é de que uma prática potencialmente transformadora e democrática acabe sendo utilizada pelo profissional de saúde para controlar, abordar ou instruir um grupo de pessoas. Muitas vezes, o profissional acaba repetindo nos grupos a dinâmica da sociedade com atitudes autoritárias, alienantes, paternalistas ou assistencialistas. Assistencialismo não significa apenas doação de bens materiais. Mas, também, a assistência afetiva e emocional que sustenta relações de dominação, de sufocamento dos sentimentos dos usuários, que inviabiliza a sua capacidade de refletir sobre si mesmo, sobre o social e de transformar a realidade.
Em geral o profissional negando os saberes da população acredita que é superior e que seu saber é melhor porque é científico. Assim, o usuário é constrangido a ser platéia enquanto o profissional elevado a protagonista despeja intempestivamente informações desatualizadas, conselhos e orientações desnecessárias geralmente usando linguagem científica e o material de apoio de forma inadequada. Ou simplesmente formata uma programação engessada e quer metê-la goela abaixo dos usuários de saúde. Sem considerar as necessidades e o momento de vida daquele grupo. Tudo em nome de um trabalho organizado!
Nos grupos, há de um lado os participantes com sua história de vida, condição social, cultural, saberes, concepções, valores, sentimentos e desejos singulares e do outro o profissional de saúde.
Trata-se de um momento de dizer em que e o usuário e profissional se apresentam com marcas de seu viver e onde falas e gestos fazem parte de uma complexa comunicação em que os dois devem ser considerados.
Cada grupo é único e é imprevisível o que ocorrerá em cada encontro.
Num grupo democrático, os temas devem emergir do grupo. O coordenador interfere ajudando a desfazer as resistências dos participantes no tema, mostrando a sua compreensão a respeito das dificuldades que surgem, colocando em circulação as falas das pessoas, tirando do grupo o entendimento, as decisões e soluções para os problemas e conclusões, respeitando o conhecimento, as necessidades e a cultura de cada grupo.
A função do coordenador é facilitar, acolher e escutar os afetos, sentimentos, dúvidas, temores, sofrimentos e saberes dos participantes por mais estranhos que pareçam.
A maioria das atividades grupais é ineficaz pelo fato das capacitações tradicionais para os trabalhadores da saúde serem prescritivas, baseadas apenas na transmissão de conteúdo e no conhecimento especializado sem espaço para o diálogo e a troca de experiência. Tais modalidades grupais não passam de um “amontoado de pessoas para um atendimento por atacado”, vazio de significado para a vida das pessoas.
É preciso que o profissional avalie e reflita permanentemente sobre as práticas de intervenções grupais em saúde. Entenda e saiba lidar com as dinâmicas, relações e afetos produzidos nos grupos para saber escutar, intervir e informar adequadamente no momento oportuno.
Somente atuar de forma democrática, transdisciplinar, integrada e empática na comunidade, nas instituições públicas ou privadas fará com que os cidadãos possam se beneficiar da experiência do encontro.

Angela Maria Amâncio de Ávila - Psicóloga - CRP-04/2683
Especialista em Psicologia Social
Artigo publicado no Jornal Clarim de Araxá - junho 2007.

Um comentário:

  1. Excepcional e muito real esse texto! Ótima contribuição, Angela. Interessante pensar no tipo de cuidado que é realizado, e é importante pensar no real objetivo do Grupo e avaliar se a proposta é compatível com a expectativa do mesmo. E a proposta serve a quem? Ao facilitador/terapeuta? Ao grupo/usuários? As perguntas podem ser muitas...que sejam! Principalmente se as respostas forem construídas em conjunto.

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