É Possível Prevenir
Este texto se constitui em três partes. Na primeira, contextualiza-se o suicídio no interior do conceito de violência e no campo da saúde; apresenta-se breve reflexão sobre o fenômeno do suicídio e das tentativas e os fatores de risco a eles associados. Em segundo lugar, relata-se brevemente a implantação de um núcleo de atendimento. E em terceiro lugar, descrevem-se algumas recomendações a propósito da necessidade de atendimento especializado e específico às vítimas de tentativas e a suas famílias.
Entre as violências, incluem-se o suicídio e suas tentativas. A Organização Mundial de Saúde declarou a violência como um dos principais problemas mundiais de saúde pública e recomendou aos Países Membros que implantassem ações de prevenção, intervenção e monitoramento nas populações de risco, capacitação de profissionais de saúde e desenvolvimento de estudos e pesquisas, que reforçassem as políticas locais, regionais e nacionais (OMS, 2002). Em 2000, a taxa de mortalidade por suicídio no mundo todo, foi de 14,5 em cada 100 mil pessoas, sendo a quarta maior causa de morte em pessoas com idade entre 15 e 44 anos. Embora os maiores índices continuem sendo na população idosa, as taxas na população jovem vêm aumentando em todo o mundo (OMS, 2002). Os dados relacionados a esse fenômeno são reconhecidamente subestimados, embora sejam mais precisos do que os que dizem respeito às tentativas.
A OMS também recomenda cautela nos estudos comparativos entre países, regiões ou cidades, por causa da diversidade das fontes e da qualidade dos sistemas de informação utilizados. As principais fontes de informações para suicídios são as declarações de óbitos, os boletins de emergência, prontuários, os registros de ocorrência policial, os laudos e estudos toxicológicos dos Institutos de Medicina Legal (Lóes, 1998). A consulta a mais de uma fonte pode ampliar o número de casos conhecidos. O suicídio é um fenômeno violento e complexo e merece uma ampla discussão na sociedade. Apresenta especificidades que permitem o desenvolvimento de medidas favoráveis a uma política de prevenção (proibição de determinados meios, melhoria da assistência médica, atenção a grupos vulneráveis, por exemplo).
Suicídios e tentativas podem ser compreendidos como fenômenos distintos e ocorrem diferentemente entre os gêneros. As maiores taxas de suicídios encontram-se entre os homens, e as de tentativas, entre as mulheres (OMS, 2002). Estas diferenças exigem abordagens distintas do problema.
Os fatores de risco diferem entre grupos da população. Na população jovem predominam situações de stress ambiental (rompimento com namorados ou amigos, problemas na escola, conflitos familiares, dentre outros). Estima-se que ocorram cerca de 100 a 200 tentativas por cada suicídio entre jovens (AAS, 2004), enquanto na população geral estima-se a ocorrência de 10 a 40 tentativas (OMS, 2002). Os fatores de risco mais freqüentemente estudados são: história de tentativas anteriores, dependência de álcool e de drogas ilícitas, história de suicídios na família, transtornos mentais (depressão e esquizofrenia) e consumo ou dependência de medicamentos psicoativos.
Os dados preliminares e ainda não conclusivos de um levantamento realizado pelo Núcleo de Atenção ao Suicídio da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, referentes a 214 casos notificados de tentativas, entre agosto de 2000 e agosto de 2003, em onze unidades de saúde deste município, incluindo dois hospitais gerais, mostrou o predomínio de tentativas no gênero feminino (67,3%) em relação ao masculino (32,7%). Sessenta por cento das notificações foi de indivíduos até 34 anos de idade, sendo que a incidência predominou na faixa de 15 a 24 anos (30,4%) e foi igualmente distribuída entre ambos os sexos. Entre os métodos utilizados, nesta mesma amostra, foi encontrada uma freqüência de 68% de casos de intoxicação exógena e 16% de queimaduras por fogo, embora os dois hospitais notificadores fossem centros de referência para grandes queimados o que pode explicar o alto percentual de registros de tentativas por queimaduras. Do conjunto de fatores de risco foram encontrados, pela ordem: 39% de tentativas anteriores, 15% de uso regular de medicamentos psicoativos, 15% de dependência ao álcool, 8% de história de suicídio em família e 8% de dependência de drogas ilícitas. Entre os motivos alegados, os conflitos familiares foram mencionados por 37% dos pacientes, sintomas de depressão e solidão por 14%, separação amorosa por 13%, doenças psiquiátricas e alcoolismo por 12% e problemas no trabalho e desemprego por 10%.
O suicídio de jovens
Quando ocorre uma tentativa ou um suicídio entre jovens, várias questões são levantadas e nunca se encontra uma resposta única. A compreensão dos estudiosos é que se pode tentar entender as circunstâncias dos fatos, as crises vivenciadas pelo individuo e sua família, a dinâmica funcional do meio familiar, os sentimentos envolvidos e a influência e peso de fatores ambientais. Isso porque o suicídio ocorre num ambiente, que pode ser a família, a escola, o lugar de trabalho. Ele não acontece fora de um sistema social, ainda que os indivíduos pareçam estar isolados da sociedade, queixem-se de isolamento e a solidão apareça e seja freqüentemente referida por eles. A partir da construção de narrativas sobre o evento e suas circunstâncias ampliam-se as chances de uma intervenção mais eficaz. Este é um tipo de abordagem fundamental para o processo de mudança na forma como o paciente interage com o seu ambiente.
A discussão do suicídio de jovens não é nova, já tendo sido feita no clássico trabalho de Emile Durkheim (1951), publicado em 1897, O Suicídio: um Estudo Sociológico, que ainda hoje constitui uma referência para os pesquisadores do tema. Neste estudo ele observou, na Europa há mais de cem anos atrás, como o suicídio entre jovens adolescentes tinha características diferentes das que aconteciam em indivíduos de outras faixas etárias. Em seu trabalho, Durkheim entendeu que a coesão social é um fator importantíssimo quando se analisa a taxa de suicídio numa sociedade. Além desse elemento central, evidenciou que a estrutura familiar, o estado civil, o gênero do cônjuge e número de filhos são importantes variáveis a serem observadas nos estudos do suicídio.
O conceito de coesão social está associado à questão relacional, ao comportamento social, aos costumes e às opiniões. A proposição de que a proteção contra o suicídio aumenta com a densidade demográfica da família também foi postulada por Durkheim em vários momentos de sua obra. O conceito de densidade familiar também elaborado por esse importante sociólogo diz respeito às interações psicossociais e às dificuldades metodológicas de delimitação funcional de limites e fronteiras nos sistemas sociais. A incorporação do conceito de rede social na prática clínica expande a capacidade descritiva, explicativa e terapêutica das intervenções em favor dos que tentam suicídio (Sluzki, 1997).
Apresentam-se algumas características gerais de famílias de jovens que tentaram o suicídio, elaboradas a partir de uma revisão bibliográfica realizada por Barry Wagner(1997), tomando por base pesquisas dos últimos 20 anos. Estas balizas foram construídas a partir do campo da comunicação intrafamíliar. São elas:
Este texto se constitui em três partes. Na primeira, contextualiza-se o suicídio no interior do conceito de violência e no campo da saúde; apresenta-se breve reflexão sobre o fenômeno do suicídio e das tentativas e os fatores de risco a eles associados. Em segundo lugar, relata-se brevemente a implantação de um núcleo de atendimento. E em terceiro lugar, descrevem-se algumas recomendações a propósito da necessidade de atendimento especializado e específico às vítimas de tentativas e a suas famílias.
Entre as violências, incluem-se o suicídio e suas tentativas. A Organização Mundial de Saúde declarou a violência como um dos principais problemas mundiais de saúde pública e recomendou aos Países Membros que implantassem ações de prevenção, intervenção e monitoramento nas populações de risco, capacitação de profissionais de saúde e desenvolvimento de estudos e pesquisas, que reforçassem as políticas locais, regionais e nacionais (OMS, 2002). Em 2000, a taxa de mortalidade por suicídio no mundo todo, foi de 14,5 em cada 100 mil pessoas, sendo a quarta maior causa de morte em pessoas com idade entre 15 e 44 anos. Embora os maiores índices continuem sendo na população idosa, as taxas na população jovem vêm aumentando em todo o mundo (OMS, 2002). Os dados relacionados a esse fenômeno são reconhecidamente subestimados, embora sejam mais precisos do que os que dizem respeito às tentativas.
A OMS também recomenda cautela nos estudos comparativos entre países, regiões ou cidades, por causa da diversidade das fontes e da qualidade dos sistemas de informação utilizados. As principais fontes de informações para suicídios são as declarações de óbitos, os boletins de emergência, prontuários, os registros de ocorrência policial, os laudos e estudos toxicológicos dos Institutos de Medicina Legal (Lóes, 1998). A consulta a mais de uma fonte pode ampliar o número de casos conhecidos. O suicídio é um fenômeno violento e complexo e merece uma ampla discussão na sociedade. Apresenta especificidades que permitem o desenvolvimento de medidas favoráveis a uma política de prevenção (proibição de determinados meios, melhoria da assistência médica, atenção a grupos vulneráveis, por exemplo).
Suicídios e tentativas podem ser compreendidos como fenômenos distintos e ocorrem diferentemente entre os gêneros. As maiores taxas de suicídios encontram-se entre os homens, e as de tentativas, entre as mulheres (OMS, 2002). Estas diferenças exigem abordagens distintas do problema.
Os fatores de risco diferem entre grupos da população. Na população jovem predominam situações de stress ambiental (rompimento com namorados ou amigos, problemas na escola, conflitos familiares, dentre outros). Estima-se que ocorram cerca de 100 a 200 tentativas por cada suicídio entre jovens (AAS, 2004), enquanto na população geral estima-se a ocorrência de 10 a 40 tentativas (OMS, 2002). Os fatores de risco mais freqüentemente estudados são: história de tentativas anteriores, dependência de álcool e de drogas ilícitas, história de suicídios na família, transtornos mentais (depressão e esquizofrenia) e consumo ou dependência de medicamentos psicoativos.
Os dados preliminares e ainda não conclusivos de um levantamento realizado pelo Núcleo de Atenção ao Suicídio da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, referentes a 214 casos notificados de tentativas, entre agosto de 2000 e agosto de 2003, em onze unidades de saúde deste município, incluindo dois hospitais gerais, mostrou o predomínio de tentativas no gênero feminino (67,3%) em relação ao masculino (32,7%). Sessenta por cento das notificações foi de indivíduos até 34 anos de idade, sendo que a incidência predominou na faixa de 15 a 24 anos (30,4%) e foi igualmente distribuída entre ambos os sexos. Entre os métodos utilizados, nesta mesma amostra, foi encontrada uma freqüência de 68% de casos de intoxicação exógena e 16% de queimaduras por fogo, embora os dois hospitais notificadores fossem centros de referência para grandes queimados o que pode explicar o alto percentual de registros de tentativas por queimaduras. Do conjunto de fatores de risco foram encontrados, pela ordem: 39% de tentativas anteriores, 15% de uso regular de medicamentos psicoativos, 15% de dependência ao álcool, 8% de história de suicídio em família e 8% de dependência de drogas ilícitas. Entre os motivos alegados, os conflitos familiares foram mencionados por 37% dos pacientes, sintomas de depressão e solidão por 14%, separação amorosa por 13%, doenças psiquiátricas e alcoolismo por 12% e problemas no trabalho e desemprego por 10%.
O suicídio de jovens
Quando ocorre uma tentativa ou um suicídio entre jovens, várias questões são levantadas e nunca se encontra uma resposta única. A compreensão dos estudiosos é que se pode tentar entender as circunstâncias dos fatos, as crises vivenciadas pelo individuo e sua família, a dinâmica funcional do meio familiar, os sentimentos envolvidos e a influência e peso de fatores ambientais. Isso porque o suicídio ocorre num ambiente, que pode ser a família, a escola, o lugar de trabalho. Ele não acontece fora de um sistema social, ainda que os indivíduos pareçam estar isolados da sociedade, queixem-se de isolamento e a solidão apareça e seja freqüentemente referida por eles. A partir da construção de narrativas sobre o evento e suas circunstâncias ampliam-se as chances de uma intervenção mais eficaz. Este é um tipo de abordagem fundamental para o processo de mudança na forma como o paciente interage com o seu ambiente.
A discussão do suicídio de jovens não é nova, já tendo sido feita no clássico trabalho de Emile Durkheim (1951), publicado em 1897, O Suicídio: um Estudo Sociológico, que ainda hoje constitui uma referência para os pesquisadores do tema. Neste estudo ele observou, na Europa há mais de cem anos atrás, como o suicídio entre jovens adolescentes tinha características diferentes das que aconteciam em indivíduos de outras faixas etárias. Em seu trabalho, Durkheim entendeu que a coesão social é um fator importantíssimo quando se analisa a taxa de suicídio numa sociedade. Além desse elemento central, evidenciou que a estrutura familiar, o estado civil, o gênero do cônjuge e número de filhos são importantes variáveis a serem observadas nos estudos do suicídio.
O conceito de coesão social está associado à questão relacional, ao comportamento social, aos costumes e às opiniões. A proposição de que a proteção contra o suicídio aumenta com a densidade demográfica da família também foi postulada por Durkheim em vários momentos de sua obra. O conceito de densidade familiar também elaborado por esse importante sociólogo diz respeito às interações psicossociais e às dificuldades metodológicas de delimitação funcional de limites e fronteiras nos sistemas sociais. A incorporação do conceito de rede social na prática clínica expande a capacidade descritiva, explicativa e terapêutica das intervenções em favor dos que tentam suicídio (Sluzki, 1997).
Apresentam-se algumas características gerais de famílias de jovens que tentaram o suicídio, elaboradas a partir de uma revisão bibliográfica realizada por Barry Wagner(1997), tomando por base pesquisas dos últimos 20 anos. Estas balizas foram construídas a partir do campo da comunicação intrafamíliar. São elas:
_ ausência de comunicação direta;
_ predomínio da comunicação indireta;
_ fuga da argumentação;
_ indiferença entre uns e outros;
_ indiferença às intenções suicidas da pessoa que fala ou procede nesse sentido;
_ alto grau de segredamento dentro da família;
_ desencorajamento em expressar emoções;
_ fortes sentimentos de hostilidade dentro da família.
As dificuldades de comunicação entre os membros diminuem as possibilidades das famílias de utilizarem suas habilidades de constituir estruturas mais flexíveis e de ter uma postura voltada para a superação dos problemas. Impede-as de buscar as melhores respostas diante das mudanças do cotidiano e das relações, potencializando os níveis de tensão e de crises. Cobb et al (1996), observaram estas estruturas familiares no seu estudo com adolescentes latino-americanos imigrantes nos Estados Unidos.
Nos anos 70, a principal abordagem em voga nos Estados Unidos e estendendo-se por outros países de sua influência, em torno do suicídio, vinculava esse fenômeno à depressão (entendida, em linhas muito gerais, como a raiva voltada contra si mesmo), que, em sua expressão exacerbada levaria à autodestruição. Ao mesmo tempo, os estudiosos e profissionais afirmavam que a origem das alterações emocionais deveria ser buscada nos contextos inter-relacionais.
Dentro deste marco referencial, Shneidman (1980) descreveu um tipo de suicídio ao qual chamou "diádico", ou seja, aquele no qual a morte se relaciona primariamente com desejos e necessidades profundas e insatisfeitas vinculadas ao parceiro significativo na vida da vítima. Estes suicídios seriam principalmente sociais e relacionais. Wenz (1978), após uma investigação com adolescentes com risco de suicídio concluiu que, indiferentemente de que geração for, todos os membros de uma família estão envolvidos no processo que leva um ou mais dos seus membros a cometer atos suicidas. As tentativas de suicídio por adolescentes podem ser vistas como uma forma extrema de reação diante da anomia familiar. Esses comportamentos são sintoma de um processo que envolve toda a família.
Vários estudos apontam uma continuidade entre tentativas e suicídios, aumentando o risco de adolescentes realizarem o suicídio a cada tentativa (Brent et al,1996). Além da reincidência por parte de um indivíduo, em algumas famílias a repetição se dá através de vários de seus membros (Landau-Stanton & Stanton,1988; Kunstmann,1995). Observamse, na clínica, casos em que várias tentativas passam a fazer parte da dinâmica funcional das famílias. A diversidade de cenários implica num conhecimento mais circunstanciado de cada caso e em intervenções distintas em relação ao atendimento de cada jovem e de cada família.
É dentro das perspectivas citadas acima que se constituiu uma experiência de intervenção voltada para jovens, desenvolvida por uma equipe de profissionais de saúde mental, na cidade do Rio de Janeiro.
O Projeto do Núcleo de Atenção ao Suicídio
O Núcleo de Atenção ao Suicídio é um projeto experimental de prevenção que tem por objetivo específico a atenção aos casos de tentativas de suicídio na população jovem. Foi concebido em 1999, na Coordenação de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e implantado no Instituto Philippe Pinel, em 2001. Um grande obstáculo enfrentado por todos que lidam com esta questão é a quantidade de preconceitos acumulados durante décadas, por leigos e profissionais de saúde. Este obstáculo influenciou que a instalação deste serviço fosse feita num hospital psiquiátrico, ainda que levantamentos realizados e publicados apontem que apenas cerca de 15% a 20% dos casos de suicídio sejam cometidos por pacientes psiquiátricos. A maioria dos eventos ocorre com indivíduos sem história psiquiátrica e, por causa disso, houve resistência por parte de muitos usuários do serviço de acorrerem a um hospital psiquiátrico, um hospital para “malucos”, no senso comum. “Eu não queria vir para cá porque eu não sou maluco”, tem sido a frase repetida por alguns pacientes encaminhados para o serviço.
Além do imaginário sobre a impropriedade do local há outro desafio, este muito mais difícil de ser enfrentado: convencer os profissionais de saúde e os gestores da necessidade de uma atenção especializada dos que tentam suicídio. Porque uma atenção diferenciada para essas pessoas? Vários motivos justificam a ação:
_ em primeiro lugar, uma tentativa de suicídio é realizada por alguém em sofrimento intenso em risco de vida, e, portanto, deve merecer atenção cuidadosa e imediata. Considerando-se que a tentativa é uma forma de comunicação de sofrimento psíquico, a não disponibilização de um cuidado especial pode trazer conseqüências trágicas.
_ Em segundo lugar, porque os profissionais de saúde nos serviços ambulatoriais gerais não estão adequadamente capacitados para este tipo de atendimento. Muitos, inclusive os da área de saúde mental comentam que não se sentem capacitados para lidar com as questões trazidas pelo fenômeno do suicídio.
_ Em terceiro lugar, está provado, como já foi dito, que pelos mais diferentes fatores (depressão, dependência química, transtornos esquizofrênicos, suicídio em família, e demais) cerca de 30 a 40% dos indivíduos fazem novas tentativas num período de seis meses a um ano subseqüente à última ocorrência. Este é o elemento de risco mais previsível entre todos.
O serviço de atenção do Núcleo inicia-se pelos Grupos de Recepção. Eles funcionam uma vez por semana, são abertos e oferecem um contrato de atendimento de até dez sessões. As pessoas que necessitam de outros tipos de intervenção como psicoterapia individual ou grupal são encaminhadas para a rede de atendimento. Durante a participação no grupo se a equipe avaliava a necessidade de uma intervenção familiar, propõe esta opção à família.
A equipe de atendimento constitui-se de dois terapeutas em trabalho de grupo: um médico ou psicólogo com especialização em terapia de família e um outro técnico de saúde, médico ou psicólogo. Às vezes, por questões de indisponibilidade, as sessões são conduzidas por um técnico apenas. A equipe conta com um psiquiatra na equipe e sua participação é muito importante, pois contribui, também, para elucidar o diagnóstico de pacientes psiquiátricos e para o acompanhamento medicamentoso.
Quando o serviço se iniciou, a grande maioria dos pacientes era proveniente do Hospital Municipal Souza Aguiar, o maior hospital de emergência da cidade do Rio de Janeiro. Em 2000, a Coordenação de Saúde Mental, em parceria com as equipes do Serviço de Saúde Mental e do Centro de Tratamento de Queimados daquele hospital, havia feito uma sensibilização para o diagnóstico do suicídio e das tentativas. Logo após foi feita uma capacitação para profissionais de saúde voltada para a compreensão do tema e todo o manejo dos casos, o que permitiu estreitar parceria entre o Núcleo e aquela instituição.
Posteriormente, outras unidades de saúde do município foram se incorporando ao trabalho. O trabalho de parceria entre instituições mostrou-se fundamental para a construção de uma Rede de Atenção ao Suicídio. Como o Núcleo de Atenção ao Suicídio constitui-se como um projeto experimental, a construção da assistência clínica também implicou no desenvolvimento de novas formas de atendimento. Os Grupos de Recepção, desde a sua criação, passaram por várias mudanças visando adaptarem-se à clientela e às demandas clínicas. Se o objetivo principal da assistência é evitar uma nova tentativa de suicídio tornou-se imperativo construir dispositivos clínicos adequados a esse escopo.
O Grupo de Recepção é o espaço de acolhimento de pacientes em situações de crise e de intenso sofrimento psíquico. Os pacientes que tentam o suicídio e estão num processo de crise necessitam de uma atenção imediata visando a interromper o processo. Não se trabalha com a idéia de indivíduo suicida. Essa expressão, além de não ter nenhuma utilidade, contribui para a construção de um rótulo que dificulta as possibilidades de mudanças. As tentativas de suicídio devem ser vistas como formas de comunicação de sofrimentos, geralmente dirigidas às pessoas mais próximas na medida em que esses indivíduos estão inseridos num contexto conjugal, familiar, laborativo ou de qualquer outra rede social. Por isso, a abordagem clínica considerada mais apropriada é a que se ampara na teoria sistêmica construtivista. Até o segundo semestre de 2002, quando foi feita uma avaliação do serviço, 40 pacientes passaram pelo atendimento dos Grupos de Recepção. Na medida em que foram acompanhados, observou-se um único caso de reincidência que não foi fatal.
Conclusões
A experiência deste serviço tem sido bastante rica para toda a equipe, produzindo reações distintas para cada uma das pessoas que dele tem participado, apesar das dificuldades operacionais que sempre ocorrem em ações semelhantes. Em setembro de 2002, o Núcleo organizou, em parceria com a Coordenação de Saúde Mental da SMS do Rio de Janeiro e o Ministério da Saúde, uma oficina que produziu em seu relatório final as seguintes propostas de ação para prevenção do suicídio:
_ Apoiar a implantação e a implementação de Núcleos ou Centros de Prevenção;
_ Incentivar a implantação de uma Rede Nacional de Prevenção ao Suicídio, incluindo-se organizações governamentais e não-governamentais, trabalhadores da saúde e usuários dos serviços.
_ Criar uma sistemática para o atendimento dos casos de tentativas nos diferentes dispositivos de atenção.
_ Dar ênfase aos atendimentos breves, em grupos, ao fortalecimento e à ampliação das redes sociais dos indivíduos e ao monitoramento com calendário mínimo de telefonemas ou consultas até o período de um ano.
_ Instituir a atenção ao suicídio nos diversos dispositivos de assistência à saúde, buscando o aumento da resolutividade em hospitais gerais, hospitais psiquiátricos, postos e centros de saúde e Centros de Atenção Psicossocial –Álcool e Drogas (CAPS-AD) e Infantojuvenil(CAPSI).
_ Estimular na atenção básica, Centros de Atenção Psicossocial e Centros de Cooperativa e Convivência o desenvolvimento de atividades que protejam contra o comportamento suicida, tentando melhorar o suporte familiar e aumentar as oportunidades para criação de laços na comunidade.
_ Realizar a busca ativa nos indivíduos que tentaram suicídio, pelos serviços de vigilância em saúde.
_ Apoiar as iniciativas de regulação dos meios, tais como: controle de armas de fogo, o controle pela fiscalização sanitária de pesticidas e produtos inflamáveis, a redução da quantidade de medicamentos por frasco, a diminuição dos frascos dos produtos inflamáveis.
_ Capacitar os profissionais da atenção básica para o reconhecimento e manejo inicial das situações de risco como a ocorrência de depressão e abuso de substâncias.
_ Capacitar as equipes de saúde mental das unidades de saúde para lidarem com os casos de tentativas de suicídio.
_ Sensibilizar e capacitar os profissionais das emergências para o acolhimento dos casos de tentativas de suicídio e para procederem aos encaminhamentos para os serviços de atendimento.
_ Incorporar o tema nas propostas de educação permanente das equipes do Programa da Saúde da Família.
_ Introduzir a discussão do tema nos cursos das áreas de saúde.
_ Apoiar a implantação de notificações de tentativas de suicídio em áreas estratégicas, levando-se em consideração os recursos locais, com a finalidade de identificar os agravos, as circunstâncias, os métodos, os grupos e fatores de risco.
_ Implantar a vigilância sentinela nos distritos sanitários indígenas especiais, obedecendo-se a estratégias de respeito às culturas.
_ Incentivar e apoiar estudos e pesquisas na área de prevenção do suicídio que busquem compreender com especificidade os fatores de risco.
_ Promover a avaliação de serviços que se implantarem, observando-se a eficácia das estratégias adotadas.
_ Estimular o envolvimento de outros parceiros como escolas, casas de cultura, centros esportivos e associações comunitárias.
_ Estimular dispositivos que promovam a filiação dos indivíduos a grupos sociais geradores de perspectivas de futuro.
_ Cooperar tecnicamente com as organizações da sociedade civil que dão atenção ao problema e suporte às populações mais vulneráveis.
_ Realizar seminários com profissionais da mídia e da saúde, visando à construção de consensos sobre divulgação do tema.
Estas medidas significam um novo horizonte para a atuação e, certamente, a oportunidade para as pessoas que tentam suicídio encontrarem uma interlocução mais qualificada e sensível nos serviços de saúde.
Carlos Felipe D’Oliveira
Médico e Terapeuta de Família, Mestre em Ciências da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz, Especialista em Educação em Saúde pelo NUTES/UFRJ, Assessor da Coordenação da Área Técnica de Saúde Mental do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. carlos.felipe@saude.gov.br
Referências:
· AMERICAN ASSOCIATION OF SUICIDOLOGY. Youth Suicide Fact Sheet, extraído do sítio http://www.suicidology.org, em 26/04/2004.
· BRENT, D.A., BRIDGE, J., JOHNSON, B.A. & CONNOLLY, J. Suicidal behavior runs in families. A controlled family study of adolescent suicide victims. Archives General Psychiatry, l53,1145-1152, 1996.
· COBB, J., DYCHE, L., KORIN, E., IWLER, B. & CANDOTTI, O. Como lograr la participación del adolescente suicida en el tratamiento. Un estudio con adolescentes latinoamericanas inmigrantes en un barrio pobre de Estados Unidos. Sistemas Familiares, 8:9-28, 1996.
· DURKHEIM, E. Suicide: A Study in Sociology. New York: The Free Press, 1951.
· KUNSTMANN, G.G. Violencia y suicidio. In: Violencia en sus distintos ambitos de expression. pp 39-51.Santiago: Dolmen Ediciones-Mundo Abierto, 1995.
· LANDAU-STANTON, J. & STANTON, M.D. El tratamiento de adolescentes suicidas y sus familias – 1ª.parte . Sistemas Familiares. 2,79-90, 1988.
· LÓES, T. M. O método epidemiológico no controle das causas externas. Saúde em Foco, 18: 39-44, 1998.
· ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. Genebra:WHO, 2002.
· SLUZKI,C.E. A Rede Social na Prática Sistêmica: Alternativas Terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
· SHNEIDMAN,E.S. Suicide. In E.S.SHNEIDMAN(ed). Death: Current perspectives. pp. 416-434. Palo Alto, CA: Mayfield Publishing Company, 1980.
· WAGNER, B.M. Family risk factors for child and adolescent suicidal behavior. Psychological Bulletin, 121(2):246-298, 1997.
· WENZ, F.V. Economic status, family anomie, and adolescent suicide potential. The Journal of Psichology, 98: 45-47, 1978.
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