terça-feira, 5 de outubro de 2010

Possibilidades da comunicação não violenta - Jonas Melman


Em nossos tempos, o aumento da violência se transformou em um problema central para a humanidade. A epidemia de violência é um fenômeno mundial, e prolifera em todos os segmentos sociais. As forças capazes de gerar violência habitam a subjetividade de cada um de nós. Em certas circunstâncias, ninguém está isento de agir com violência.
Diariamente, a mídia expõe as mazelas de nosso mundo. Devemos lembrar que uma parte significativa dessa violência é silenciosa e ocorre no interior de nossos lares, mostrando que ainda reconhecemos que a violência é um instrumento legítimo para superação dos conflitos familiares. Acreditamos e legitimamos a violência, atestando nossa incapacidade de encontrar formas saudáveis para superar os impasses. O poder do mais forte prevalece. Os mais vulneráveis costumam ser as vítimas: crianças, adolescentes, mulheres e idosos.
Há pelo menos cinco mil anos, as estruturas sociais vigentes que norteiam nossas relações econômicas, de família, educação, justiça, convivência com a natureza, cultura e comunhão espiritual estão fundadas numa lógica de dominação.
Como compreender a violência familiar? Como ajudar as famílias que deveriam amar e cuidar do bem-estar de todos os integrantes, mas acabam produzindo tanto sofrimento?
A fixação dessa lógica da dominação se inicia precocemente. Culturas mais violentas tendem a usar a punição e a recompensa como método para a aprendizagem da obediência à ordem estabelecida.
Somos permanentemente avaliados, criticados e julgados pelos responsáveis pela tarefa pedagógica. A noção do certo e do errado, do aceitável e do inaceitável é transmitida sem reflexão. As estruturas sociais lançam mão de sistemas de pensamento e de modalidades de comunicação que se colocam a serviço desse processo de instituir a dominação como modelo hegemônico de relação entre as pessoas. O elogio e a crítica constituem instrumentos essenciais para reforçar certos comportamentos e atitudes.
Nossa mente foi formatada para traduzir o que chamamos de realidade utilizando o julgamento e a crítica. Julgamos uns aos outros sem muita consciência. Num ambiente familiar crítico e exigente, as pessoas não se sentem seguras para expressar seus sentimentos. O medo ocupa um lugar central nos processos educativos voltados à obediência. Pessoas inseguras precisam de proteção, e são facilmente manipuladas. Aprendemos a temer a autoridade, no lugar de respeitá-la.
O psicólogo Marshall Rosemberg desenvolveu a “Comunicação Não Violenta” (CNV) como uma metodologia centrada em ouvir e falar com atenção, respeito, sinceridade e empatia, estimulando um desejo mútuo de dar e receber de forma plena. A CNV procura se afastar do funcionamento mental baseado em críticas e julgamentos, atuando de forma a estimular a compreensão e o respeito mútuo.
O autor sugere que precisamos aprender a nos comunicar expressando nossas necessidades e sentimentos. Uma linguagem projetada para servir à vida e não às autoridades, que contribua para fomentar conexões voltadas ao bem-estar de todos. As necessidades humanas correspondem à vida se manifestando em nós. Os seres humanos compartilham as mesmas necessidades: segurança material e emocional, amor, empatia, diversão, autonomia e busca de um sentido de vida.
Necessidades nunca estão em conflito. As estratégias que escolhemos para alcançar as necessidades é que podem gerar conflitos. Confundimos, com freqüência, necessidades e estratégias. Ter vontade de assistir TV, ir ao cinema ou andar de bicicleta são estratégias para se divertir. Necessidades não fazem alusão a pessoas, ações ou coisas específicas.
Quando contribuímos para atender às necessidades reais de outras pessoas, nos tornamos pessoas mais felizes. Necessidades não atendidas geram mal-estar, raiva e frustração.
É essencial acolher o sofrimento dos familiares para que eles possam encontrar uma maneira mais pacífica de se relacionar. Agressores também precisam de ajuda e de muita empatia para deixar de ser agressores. Segundo os princípios da Cultura da Paz e da CNV, a violência pode ser entendida como expressão trágica da condição humana. Sofrimento, desigualdade, injustiça, desejo de poder sobre o outro geram violência. O ato violento pode ser compreendido como um pedido de ajuda de um ser humano que não consegue expressar a si mesmo de forma mais saudável.
Precisamos aceitar o desafio de traduzir todas as críticas e juízos de valor numa linguagem que revele as necessidades não atendidas. Uma abertura para o diálogo, para ouvir o outro como um legítimo outro, com respeito e apreço. Quando necessidades e sentimentos são compartilhados de forma clara, eles aproximam as pessoas e os grupos em conflito.
Jonas Melman, psiquiatra e psicoterapeuta, mestre pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, é assessor da Área Técnica de Cultura de Paz da Secretaria Municipal da Saúde de SP. E-mail: melman@terra.com.br

http://www.unesp.br/aci/jornal/220/suplec.php

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