O acolhimento é uma ação tecno-assistencial que pressupõe a mudança da relação profissional/usuário e sua rede social através de parâmetros técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade, reconhecendo o usuário como sujeito e participante ativo no processo de produção da saúde. O acolhimento é um modo de operar os processos de trabalho em saúde de forma a atender a todos que procuram os serviços de saúde, ouvindo seus pedidos e assumindo no serviço uma postura capaz de acolher, escutar e pactuar respostas mais adequadas aos usuários. Implica prestar um atendimento com resolutividade e responsabilização, orientando, quando for o caso, o paciente e a família em relação a outros serviços de saúde para a continuidade da assistência e estabelecendo articulações com esses serviços para garantir a eficácia desses encaminhamentos.
“Constatar os problemas de saúde e tomá-los como desafio não é suficiente para imprimir as mudanças que possam traduzir a saúde como direito e patrimônio público da sociedade” (MERHY et al, 1999).
É preciso restabelecer, no cotidiano, o princípio da universalidade do acesso – todos os cidadãos devem poder ter acesso aos serviços de saúde – e a responsabilização das instâncias públicas pela saúde dos indivíduos. Isto deve ser implementado com a conseqüente constituição de vínculos entre os profissionais e a população, empenhando-se na construção coletiva de estratégias que promovam mudanças nas práticas dos serviços, onde a defesa e afirmação de uma vida digna de ser vivida seja adotada como lema.
Tradicionalmente, a noção de acolhimento no campo da saúde tem sido identificada:
ora a uma dimensão espacial, que se traduz em recepção administrativa e ambiente confortável;
ora a uma ação de triagem administrativa e repasse de encaminhamentos para serviços especializados que afirma, na maior parte das vezes, uma prática de exclusão social, na medida em que “escolhe” quem deve ser atendido.
Ambas as noções têm sua importância, entretanto, quando tomadas isoladamente dos processos de trabalho em saúde, se restringem a uma ação pontual, isolada e descomprometida com os processos de responsabilização e produção de vínculo. Nesta definição tradicional de acolhimento, o objetivo principal é o repasse do problema tendo como foco a doença e o procedimento, e não o sujeito e suas necessidades. Desdobra-se daí a questão do acesso aos serviços que, de modo geral, é organizado burocraticamente a partir das filas por ordem de chegada, sem avaliação do potencial de risco, agravo ou grau de sofrimento. Este funcionamento demonstra a lógica perversa na qual grande parte dos serviços de saúde vem se apoiando para o desenvolvimento do trabalho cotidiano. Lógica essa, que tem produzido falta de estímulo dos profissionais, menor qualidade da capacitação técnica pela não inserção do conjunto de profissionais ligados à assistência, e não inclusão dos saberes que os usuários têm sobre sua saúde, seu corpo e seu grau de sofrimento. Acrescese a isso a não integração de diferentes setores e projetos e a não articulação com a rede de serviços no sistema de encaminhamento de usuários a serviços especializados, tornando o processo de trabalho solitário e fragmentado. O que vemos é que este modo de operar o cotidiano tem produzido sofrimento e baixa na qualidade de vida não só dos usuários, mas também dos profissionais de saúde. A reversão desse processo nos convoca ao desafio de construirmos alianças éticas com a produção da vida, onde o compromisso singular com os sujeitos, usuários e profissionais de saúde, esteja no centro desse processo. Essas alianças
com a produção da vida implicam um processo que estimula a co-responsabilização, um encarregar-se do outro, seja ele usuário ou profissional de saúde, como parte da minha vida. Trata-se, então, do incentivo à construção de redes de autonomia e compartilhamento onde “eu me reinvento inventando-me com o outro”.
O acolhimento como estratégia de interferência nos processos de trabalho
O acolhimento não é um espaço ou um local, mas uma postura ética, não pressupõe hora ou profissional específico para fazê-lo, implica compartilhamento de saberes, necessidades, possibilidades, angústias e invenções. Desse modo é que o diferenciamos de triagem, pois ele não se constitui como uma etapa do processo, mas como ação que deve ocorrer em todos os locais e momentos do serviço de saúde.
Colocar em ação o acolhimento como diretriz operacional requer uma nova atitude de mudança no fazer em saúde e implica:
protagonismo dos sujeitos envolvidos no processo de produção de saúde;
uma reorganização do serviço de saúde a partir da reflexão e problematização dos processos de trabalho, de modo a possibilitar a intervenção de toda a equipe multiprofissional encarregada da escuta e resolução dos problemas do usuário;
elaboração de projeto terapêutico individual e coletivo com horizontalização por linhas de cuidado;
mudanças estruturais na forma de gestão do serviço de saúde, ampliando os espaços democráticos de discussão/decisão, de escuta, trocas e decisões coletivas. A equipe neste processo pode, também, garantir acolhimento para seus profissionais e às dificuldades de seus componentes na acolhida à demanda da população;
uma postura de escuta e compromisso em dar respostas às necessidades de saúde trazidas pelo usuário, que inclua sua cultura, saberes e capacidade de avaliar riscos;
construir coletivamente propostas com a equipe local e com a rede de serviços e gerências centrais e distritais.
mudanças estruturais na forma de gestão do serviço de saúde, ampliando os espaços democráticos de discussão/decisão, de escuta, trocas e decisões coletivas. A equipe neste processo pode, também, garantir acolhimento para seus profissionais e às dificuldades de seus componentes na acolhida à demanda da população;
uma postura de escuta e compromisso em dar respostas às necessidades de saúde trazidas pelo usuário, que inclua sua cultura, saberes e capacidade de avaliar riscos;
construir coletivamente propostas com a equipe local e com a rede de serviços e gerências centrais e distritais.
Uma postura acolhedora implica em estar atento e poroso à diversidade cultural, racial e étnica. Vejamos aqui o caso de uma usuária de comunidade indígena que dá entrada numa unidade de saúde, e após o atendimento e realização do diagnóstico indica-se uma cirurgia (laparoscopia) urgente a ser realizada pelo umbigo. Após a comunicação do procedimento indicado, a usuária se recusa a realizá-lo dizendo não poder deixar que mexam no seu umbigo pois este é a fonte da onde brota a vida e onde a alma circula. Após a recusa várias negociações foram feitas de forma a realizar o procedimento cirúrgico levando em conta os valores e saberes desse grupo.
Acolher com a intenção de resolver os problemas de saúde das pessoas que procuram uma unidade de saúde pressupõe que todas as pessoas que procuram a unidade, por demanda espontânea, deverão ser acolhidas por profissional da equipe técnica. O profissional deve escutar a queixa, os medos e as expectativas; identificar riscos e vulnerabilidade, acolhendo também a avaliação do próprio usuário; e se responsabilizar para dar uma resposta pactuada ao problema, conjugando as necessidades imediatas dos usuários com o cardápio de ofertas do serviço, e produzindo um encaminhamento responsável e resolutivo à demanda não resolvida.
Nesse funcionamento, o acolhimento deixa de ser uma ação pontual e isolada dos processos de produção de saúde e se multiplica em inúmeras outras ações que, partindo do complexo encontro
do sujeito profissional de saúde e sujeito demandante, possibilitam analisar:
do sujeito profissional de saúde e sujeito demandante, possibilitam analisar:
a adequação da área física;
as formas de organização dos serviços de saúde;
a governabilidade das equipes locais;
a humanização das relações em serviço;
os modelos de gestão vigentes na unidade de saúde;
o ato da escuta e a produção de vínculo;
o compartilhamento do conhecimento;
o uso ou não de saberes para melhoria da qualidade das ações de saúde e o quanto estes saberes estão a favor da vida.
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