quarta-feira, 29 de abril de 2009

Educação Continuada: O Trabalho Com Gestantes e Família Grávida

Começou hoje em Araxá, o Curso de Educação Continuada - O Trabalho Com Gestantes e Família Grávida, que faz parte do Projeto MATERNAR; uma iniciativa do Setor de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde. O curso é a primeira ação do Programa Gestar e dá ênfase ao trabalho grupal, transdisciplinar integrado e integral, já que são essenciais as primeiras relações afetivas cuidador-criança, não só para a sobrevivência infantil, como também para o seu desenvolvimento e estruturação psíquica saudáveis. Trabalhadores de várias áreas da rede pública de saúde se inscreveram (cerca de 35) e uma segunda turma já foi aberta, devido ao grande número de interessados. Psicólogos, TO, enfermeiros, agentes comunitários, fisioterapeutas, auxiliares de enfermagem, assistentes sociais, recepcionistas, serviços gerais, odontólogos, nutricionistas, entre outros, estão participando. Continuem divulgando! A carga-horária será de 18h e somente receberão o certificado aqueles que cumprirem 100% de presença. Local: AMPLA.
Para inscrições e informações: 3691-7137 e 7138 (Ambulatório de Saúde Mental).
A instrutora é a colega Ângela Maria Amâncio de Ávila - Psicóloga - CRP:04/2683 - IBLC: 102 -17853 - Consultora Internacional em Aleitamento Materno, com Recertificação pelo International Board of Lactation Consultant Examiners (IBLCE) - Especialista em Psicologia da Gravidez, Parto e Puerpério - Psicologia Social - Psicologia Clínica - Educação Permanente em Saúde: FIOCRUZ/ENSP/MS. Autora do livro: Socorro, Doutor! Atrás da Barriga Tem Gente! Editora Atheneu - RJ/1999.
Angela estará em São Paulo nos dias 23 e 24 de maio, ministrando o Curso de Psicologia da Maternidade, organizado pelo GAMA - Grupo de Apoio à Maternidade Ativa:

Saúde Mental: Os Desafios da Formação

Seminário Nacional de Saúde Mental
Local: Escola de Saúde Pública de Minas Gerais
27 à 29 de maio em Belo Horizonte
http://mail.google.com/mail/?ui=2&ik=0a6626da29&view=att&th=120f334aea95e633&attid=0.3&disp=inline&zw

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Maldade Não é Loucura

Coisa difícil é conseguir que o grande público diferencie perversão de loucura. Uma amiga me ligou outro dia para falar disso. A novela tem ajudado muito quando coloca um personagem psicopata, a Ivone e dois personagens esquizofrênicos, o Tarso e o Ademir. Dá para ver a diferença. Contudo, no caso do Monstro da Áustria, a situação fica complexa quando a sentença de prisão perpétua deverá ser cumprida em uma instituição psiquiátrica. Esse homem que enclausurou a própria filha para submetê-la aos seus desejos e caprichos; que deixou um filho-neto morrer; que conseguiu burlar tudo e todos, talvez com a conivência da esposa, e teve sucesso em manter um confinamento por mais de duas décadas... Esse homem tem uma enorme capacidade de dissimulação, é pragmático, racional, sistemático, organizado, extremamente hábil e ignora a dor dos outros. Esse homem não é louco. Ele é mau, é perverso. Um psicótico não tem essa capacidade de articulação e pragmatismo, exatamente porque no momento da loucura ele está fora de si, dominado por sintomas. Muito difícil é que um louco consiga não mostrar que está louco. Uma psiquiatra que avaliou Josef Fritzl depôs sobre seu comportamento violento e perverso e não atestou doença mental. Ainda assim, esse homem irá cumprir pena numa instituição para doentes mentais. O Monstro da Áustria não é um monstro, ele é um ser humano. Ele é mau, mas é humano. Seres humanos como ele e tantos outros demonstram a existência de um potencial terrível na condição humana. Como Freud diz, a pulsão de mais difícil controle é a pulsão perversa ... A civilização serviu para o controle das pulsões. Hoje em dia estamos em crise no que diz respeito a isso. Na pós-modernidade, as pulsões perversas estão encontrando muito pouco freio. Desumanizar Josef Fritzl ou mandá-lo para uma instituição psiquiátrica reforçando um imaginário social que associa maldade à loucura em nada ajuda a humanidade a encontrar nele um exemplo que exige muita, mas muita reflexão!
Postado por Patrícia C. Schmid

Mais Louco é Quem Me Diz

Como Bubu, detento de um manicômio judiciário, enxerga o sistema e como o sistema vê Bubu.
Quando Terezinha estava grávida de seis meses, uma vidente profetizou: "Seu filho só vai falar aos 5 anos e, quando começar, já será como gente adulta". Até mais de 4, João Pereira de Oliveira Jr. só articulava o tradicional "gugu-dadá", e, de seu próprio repertório, o preferido: "bubu". Esse virou seu apelido e, mais tarde, nome de guerra. A vidente fez outra previsão, de que o rebento poderia morrer na flor da idade. Bubu não morreu. Mas vive desde os 27 anos, entre idas e vindas, como interno do sistema manicomial judiciário brasileiro. Hoje, aos 41, é a voz forte que guia o Documentário A Casa dos Mortos, de Debora Diniz, que estreou nessa semana no festival É Tudo Verdade. O título do filme, extraído de um poema seu, é a resposta ao prenúncio da cigana. Enrolando um cigarro com o tabaco enviado pela família ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCT), em Salvador, Bubu dispara a falar de sua vida, articulada e agitadamente. Está na décima internação no manicômio judiciário. Em Oliveira dos Brejinhos, a quase 600 quilômetros da capital baiana, onde nasceu, ele é considerado, pela família e pelos vizinhos, louco. No HCT, ele é considerado, pelos psiquiatras que o avaliam, louco - em termos mais científicos, claro. "Sou lúcido e translúcido. Mas, se eles dizem que eu sou louco, eu estou louco, porque eu estou sempre assim e sou sempre assim. Ser e estar se congruem." Bubu expõe suas ideias com uma clareza perturbadora. Fala de filosofia e política com propriedade - prefere as escolas filosóficas alemã e francesa à grega e se define como um adepto do capitalismo popular, do filósofo austríaco Friedrich von Hayek. Sempre carregando uma sacola de pano amarelo-encardido, com seus escritos e seu tabaco dentro, recorre a palavras difíceis e neologismos surpreendentes, tudo para fundamentar sua convicção de que é um perseguido político por ter ideais revolucionários.A primeira internação no HCT foi em 1995, enquadrado, por danos e ameaça, nos artigos 163 e 147. O sentimento de perseguição ganhou contornos de agressividade e esse homem enorme não coube mais em si. O laudo de sanidade da época atestou que ele sofre de um transtorno afetivo, com surtos de caráter maniatiformes - ele viveria em estado quase permanente de mania -, embora o mais marcante em seu discurso sejam os traços de paranoia. "Sou ameaçado na minha cidade e começo a falar alto dentro de casa." Acontece que nos outros nove laudos de cessação de periculosidade sobre sua condição, nas mesmas nove vezes em que foi solto e acabou voltando para o manicômio, a avaliação não mudou, nem o diagnóstico. Os documentos dizem que ele estaria em condições de trabalhar e levar sua vida fora do hospital, desde que continuasse o tratamento. Mas como um paciente que não acredita estar doente seguiria essa orientação? Bubu sai, para de tomar os medicamentos, desobedece o salvo-conduto e volta. Há 14 anos. O salvo-conduto, que corresponde à liberdade condicional, é rigoroso: não se pode beber, pular carnaval, brigar com vizinhos. Quando está solto e volta a Brejinhos, Bubu é recebido pela família e, em algumas ocasiões, uma casa foi montada para que ele tentasse seguir a vida por sua conta. "No dia seguinte, ele já vendeu tudo. Ele rasga todas as suas fotos. Sobe no telhado e fica atirando pedra nos vizinhos. Picha os muros, deita no meio da rua, interdita o quarteirão", relata Terezinha Carmen da Silva, mãe de Bubu e vereadora pelo PMDB na cidade de 23 mil habitantes. Para o filho, é justamente a desavença ideológica com a mãe que o mantém preso ao sistema manicomial. "Minha família foi a pá de cal de minha desgraça. Não quero falar de minha mãe, porque é ela que me sustenta financeiramente e porque meu relacionamento afetivo permanece." Mas ele fala. Conta que, na primeira vez em que foi "manicomializado", foi ela quem o internou no Santa Mônica, um hospital da rede particular de Salvador. Terezinha alega que, quando Bubu está em Brejinhos, a cidade fica em polvorosa e as pressões para sua saída são insuportáveis. "Adoraria colocá-lo numa instituição particular, mas a mais barata em Salvador custa R$ 1,5 mil por dez dias. Não tenho condição", argumenta.Independentemente do embate com a mãe, Bubu tem dois delitos graves na ficha. Uma de suas condenações por medida de segurança (doentes mentais não cumprem pena, mas medidas de segurança de três anos, renováveis indefinidamente dependendo da evolução do paciente) foi por tentativa de homicídio, lesões corporais e danos. "Quando minha mãe já era vereadora, apareceu um homem me ameaçando. Eu o espanquei. Pisei na cabeça dele e minha família o defendeu. Foi uma guerra de sete horas até que fui preso. Resisti dentro da minha casa com pregos, garrafas e paus. E eles com tiros, gás lacrimogêneo e espancamento. "Em sua última internação, a condenação foi novamente por tentativa de homicídio. Um senhor que mendiga em Brejinhos e também seria doente mental foi à casa de Bubu pedir comida. Bubu interpretou aquilo como uma ameaça e espancou o velhinho. "Me considero suspeito para autodefender-me, porque seria uma coisa autoparcial. Tenho uma têmpera exaltada. Só que nunca matei ninguém, não. E não merecia ser preso", autodefende-se. Ele argumenta ainda que tudo que faz é de caso pensado, que nunca perdeu a noção de realidade e desafia qualquer psiquiatra a provar o contrário. Aliás, Bubu renega completamente a psiquiatria e gostaria que houvesse mais ênfase na psicologia. Atravessando os corredores escuros e o cheiro de desinfetante barato da parte interna do HCT, onde os detentos ficam esparramados no chão, com cara de nada, chega-se a um quartinho sem janelas, insalubre, onde o médico plantonista daquele dia dorme e atende os pacientes. José Alberto Neri, psiquiatra do HCT, explica pacientemente o que é transtorno afetivo, mania, os tratamentos para tantas outras doenças mentais. Quando estagiou ali, ainda estudante, jurou que não voltaria. Mas há mais de 25 anos não consegue se desligar do manicômio. "Não há outra instituição no mundo que concentre os casos que um lugar como este concentra. Se não comete crime, o doente mental fica solto e, muitas vezes, nem sequer é diagnosticado. Além disso, pelo menos até pouco tempo, havia um verdadeiro engajamento dos funcionários em tentar recuperar esses internos." Seja por curiosidade científica ou por boa vontade, Neri continua ali, entre gritos, risos e lamentos. Mas admite que poucos internos são de fato recuperáveis e decreta: "Quem precisa de diagnóstico é o sistema".
EVOLUÇÃO E ESTAGNAÇÃO
Com a reforma psiquiátrica, iniciada na década de 70 com movimentos pelos direitos humanos e antimanicomiais e transformada em lei em 2001, começou no Brasil um processo de substituição dos manicômios por instituições de tratamento mais abertas, como os Centros de Atenção Psicossocial, os Caps. São unidades em que o "usuário" não só se submete a tratamento médico, mas participa de atividades de convivência, cooperativas de trabalho, ações culturais. "É um trabalho intenso de transformação social", explica o psiquiatra Paulo Amarante, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. "Mas o sistema manicomial judiciário não acompanhou essa evolução. "Neri, do HCT, argumenta que, na reforma psiquiátrica, os manicômios judiciários ficaram praticamente de fora (oficialmente, o nome manicômio judiciário nem existe mais, foi substituído por HCT). "Criaram as instituições para quem não cometeu crime ou para quem já cumpriu a medida de segurança. Mas o manicômio mesmo ficou sem investimento algum." No Brasil, há 23 HCTs, duas alas psiquiátricas dentro de unidades prisionais e seis dentro de hospitais penais. Cerca de 4.600 pessoas estão nesses estabelecimentos. Desde a reforma, o número de internos no HCT de Salvador diminuiu e, assim, a violência lá dentro e os casos de suicídio também. O hospital, que já teve mais de 450 internos, hoje tem 161 - com 67 homicidas, crime mais recorrente entre os presos. Mas o treinamento dos agentes penitenciários é quase inexistente e o salário, baixo. Amarante acredita que haja uma inversão no conceito de manicômio judiciário. Não se poderia criar uma instituição para os doentes criminosos, mas se deveria tratá-los corretamente num cárcere comum. "As penitenciárias têm de oferecer o tratamento para o doente, que não se resuma a medicamentos." O que fica evidente nesse dilema é que o manicômio judiciário é subliminarmente rejeitado pelo Ministério da Saúde, por ser uma instituição jurídica, e pelo Ministério da Justiça, por ser uma instituição de saúde. No fim, a instituição e seus internos ficam num limbo. A VIDA NA CASA DOS MORTOS, o limbo de Bubu é alimentado por três medicamentos, em duas sessões diárias: Carbolitium (estabilizador de humor), Diazepan (ansiolítico) e Amplictil (sedativo). Fora os mais de cem cigarros que fuma, sem tragar, por dia, para se distrair e relaxar. Ele passa a maior parte de seu tempo escrevendo e lendo. Já tem dois livros prontos: Mus.Poê.Bubuzísticas, que é uma série de músicas e poemas, e As Linguísticas Reais, em que ele apresenta "34 ensaios, 34 conceitualizações e 40 definições teóricas no campo filosófico, lato sensu". Bubu está preso no sistema manicomial judiciário e o sistema, preso à sua própria ineficiência. "Não temos chance de defesa. Se dissermos que tal direito ou tal prerrogativa não foram obedecidos, imediatamente dizem que há um laudo que diz que tivemos um problema. Aquilo sepulta a possibilidade de a pessoa confrontar-se com as autoridades judiciais."Ele não tem muitos amigos no manicômio. "Sou um estranho no ninho aqui. O grosso das pessoas têm um histórico ligado à delituosidade, e eu não me aproximo delas." Mas ele cita seu vizinho de cama, Francisco Gomes Figueiredo, "um velhinho que anda de boné, calado, surdo". "Ele não representa para mim nenhum sofrimento. Estacionou no tempo, para ele tanto faz, toma o remédio às 20h e deita para dormir. É sua rotina sacramental. É a placidez alienatória resignada", descreve. Bubu não namora desde 2002 e acha até que tem um filho que também já teria um filho, mas não tem certeza se é seu. "O homem que antropologicamente aguenta viver sem mulher, tanto sexualmente quanto emocionalmente, é mais do que homem. É o super-homem, de Nietzsche." Quer acrescentar o codinome Bubu na carteira de identidade assim que puder e aprender a mexer no computador para organizar sua obra. A teoria 39 de seu livro é sobre "a ancestralidade analítica do mártir", em que disseca as histórias de "Che Guevara, o Cristo do comunismo; Jesus Cristo, o Guevara do cristianismo; e Sócrates, o Cristo-Guevara da Grécia". No braço esquerdo, carrega uma tatuagem: duas linhas com um ponto no meio, que representam o bem e o mal e o ser humano, no caso ele, dividido entre os caminhos.
Flávia Tavares - O Estado de S.Paulo
sábado, 4 de abril de 2009, 22:17

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A Dor de Um Pai

Ferreira Gullar fala da dor de um pai de dois filhos esquizofrênicos. Temos que acolhê-lo nessa dor e tentar convencê-lo de que os serviços substitutivos, os CAPS, tratam e ajudam na recuperação de pessoas que sofrem com doença mental. O Poeta parece desconhecer que a lei da qual ele reclama possibilitou a inserção social de muitos brasileiros, antes asilados nos grandes hospícios. Nunca negamos o valor da internação, mas esse procedimento hoje não é a primeira escolha. Precisamos ajudar os doentes mentais garantindo a eles um cuidado intensivo nos CAPS: atendimentos individuais, grupais, oficinas terapêuticas, projetos de geração de renda, trabalho e lazer. Quando tudo isso não ajudar, o paciente poderá ser internado. A equipe do CAPS irá acompanhá-lo na internação. Depois da alta ele continuará seu tratamento no CAPS, objetivando evitar que novas internações sejam necessárias. O trabalho que temos feito para o seu personagem mostrará esse percurso e Tarso encontrará ajuda eficaz, quando finalmente sua família aceitar seu tratamento na Clínica do Dr Castanho - O Instituto de Atenção Psicossocial/IAP - inspirado nos CAPS. Infelizmente não conseguimos colocar o nome CAPS, por questões relativas ao jurídico da Globo, mas a inspirição está lá, nas ações de toda a equipe da clínica. É isso que queremos mostrar para familiares que pensam como o Poeta, que temos como ajudá-los, que a lei possibilitou isso… Contudo, não conseguimos sensibilizar todo mundo e temos que ser humildes para acolher a dor do Poeta sem atacá-lo ou demonizá-lo como um inimigo. Ele é mais que tudo um pai que sofre, com feridas ainda sangrando uma dor que não estanca… Gostaria muito de ouvi-lo e tentar ajudá-lo!

Um beijo grande
Patrícia Schmid

Comentário direcionado ao blog de Bruno Gagliasso

Harmonia Enlouquece

Olá, pessoal.

Vejam que interessante o conteúdo desse site http://www.harmoniaenlouquece.com

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Traduzir-se

Olá Pessoal

A coisa tá repercutindo e acho que Gullar vai é nos ajudar, ao contrário do que imaginávamos.

Hoje, no Blog do Bruno Galiasso (o rapaz que surtou na novela Caminho das Indias - Rede Globo) está publicada a carta do Gullar , e o Bruno pede que os leitores enviem para ele comentários sobre esta carta. Acho que é hora de enchermos este blog de comentários, afinal precisamos usar esta oportunidade a favor da nossa causa.

O endereço segue abaixo:

http://gagliassoblog.com/2009/04/15/lei-errada/#comment-38

Então mãos à obra. Quem escreveu alguma coisa envie e quem ainda não escreveu, não perca essa oportunidade.

Deixo regitrada aqui a resposta que deixei no Em Defesa (Folha de São Paulo). Peço que os companheiros divulguem porque a Folha não publicou.

Prezado Ferreira Gullar

Certa vez você escreveu assim:

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


Quero acreditar que quem escreveu a coluna deste domingo de páscoa tenha sido apenas uma parte de você. Uma parte que não conhece os enormes avanços que a Reforma Psiquiátrica Brasileira e a lei (à qual você se refere como idiota), puderam fazer na vida e na história dos milhares de familiares e usuários com os quais lidamos no nosso dia-a-dia de trabalhadores da Saúde Mental. Antes desta lei - que não foi daquelas que surgiu de traz da orelha de um cretino qualquer, mas resultado de um processo de mais de 10 anos de discussão, luta, enfrentamentos e negociações. Familiares e pacientes tinham no manicômio único modo de ter e oferecer "tratamento" para suas loucuras ou doenças mentais. A mesma parte que desconhece que existem sim em nosso País e em outros manicômios, com este nome ou com outros mais amenos que continuam a ferir direitos mínimos dos seus "frequentadores". Manicômios que ainda mantêm pessoas encarceradas por 20, 30 ou mais anos, condenadas à reclusão simplesmente pelo fato de serem doentes mentais.

Não quero acreditar que um poeta sensível como você consiga enxergar na doença de seus filhos somente pessoas dispostas a matar ou morrer quando estão em crise. Outra parte de você, certamente, conhece muitas outras facetas e singularidades que só quem convive de perto com a esquizofrenia ou outras doenças mentais pode experimentar. Por isso minha carta é um convite... um convite para que você escute a outra parte de si mesmo e dessa história que você conta de maneira rasteira e parcial, uma história que tem lá suas dificuldades e imperfeições (e bem sabe você que num mundo perfeito não haveriam poetas). Mas é uma história bonita e legítima, que merece no mínimo respeito. Convido outra parte de você a conhecer um CAPS (ou serviço desse tipo) e escutar o depoimento de usuários e familiares que lá frequentam, e que puderam mudar suas histórias por causa das transformações que esta lei provocou em suas vidas. Uma parte de você também não sabe que a hospitalização, de qualquer natureza, não é mais a única solução para as chamadas crises, existe muito mais a se fazer... Outra parte de você também ficaria encantado em saber que esta lei contruiu muito mais coisas do que descontruiu, descontruiu os manicômios, mas construiu um sem número de outras possibilidades, dispositivos, formas de tratamentos, além de muita arte, música e poesia... Creio sinceramente que quem escreveu este artigo é a parte de você que ainda não conheceu a outra parte da história. Então venha conhecê-la, tenho certeza de que nenhuma parte de você irá se arrepender.

Saudações antimanicomiais

Rita de Cássia de A. Almeida

Juiz de Fora/MG

Trabalhadora de CAPS e militante da Reforma Psiquiátrica brasileira há 12 anos.

Impossível Silenciar!

Indiferença e Silêncio. Talvez tal binômio fosse a melhor resposta ao artigo “Uma Lei Errada”, publicado na Ilustrada da Folha de São Paulo, nesse domingo último, destinando-o à vala comum dos panfletos inconseqüentes. Talvez não valesse a pena responder a uma tal infâmia se o artigo tivesse sido escrito pelo representante de uma confederação qualquer dos hospitais ou dos laboratórios, mas não: estamos lendo um escrito assinado pelo autor do inigualável Poema Sujo, por um dos co-atores do Manifesto Neo-concreto, estamos falando do grande poeta Ferreira Gullar. Urge responder ad hominem, impossível diante dele se calar.

Pois então, vejamos. O autor ali se permite ser duro e ofensivo, talvez sob a pretensão de ser enfático e contundente. Cada palavra é cuidadosamente escolhida para ferir; a difamação é dirigida, sem restrição, ao conjunto dos autores e atores sociais do movimento da luta anti-manicomial. Resume-se a complexidade de um processo difícil, eivado de sucessos e obstáculos ao longo de quase 22 anos, como se ele não mais fosse do que a reação histérica de uma “classe média [que] quase nunca se detém para examinar as questões, pesar os argumentos, confrontá-los com a realidade”. Um deputado petista, citado sem ser nomeado, é acusado de ter declarado que as famílias dos doentes mentais os internavam para se livrarem deles. Lêem-se as aspas, mas não está indicada a fonte dessa declaração, o que deixa o autor mais à vontade para chamá-lo de “cretino”, porque supostamente “não sabe o que é conviver com pessoas esquizofrênicas” na família e desconhece a dor de um pai que tem quer internar um filho. Sua campanha, portanto, aos olhos do grande poeta, não passa de uma “demagogia como qualquer outra”, fundada em dados falsos ou falsificados. Num retorno ao politicamente correto, ele ainda acrescenta que a escolha do termo manicômio visa produzir uma distorção ideológica do sentido que hoje deveríamos atribuir aos nossos modernos hospitais psiquiátricos.

A difamação é grave, gravíssima, e deve chegar ao conhecimento de grande parte dos leitores dominicais da Folha de São Paulo. Impossível, portanto, manter-se em silêncio. A ética nos impõe um revide rápido. Valendo-nos de uma conhecida tática marcial, que consiste em combater se servindo do próprio movimento do adversário, responderíamos que esse escrito incorre repetidas vezes na irreflexão que ele inadvertidamente atribui aos que até hoje sustentam os princípios e conseqüências da reforma anti-manicomial. Façamos, pois, perguntas diretas, no presente do indicativo, deixando de lado as alusões e os condicionais: O que sabes para afirmar que alguém desconhece a dor de conviver com pessoas esquizofrênicas na família? Não, caro poeta, sofrimento mental na família não é, nem de longe, exclusividade do Sr. Ferreira Gullar. Sabes o quão freqüente e desolador era o abandono de doentes mentais pela família nos hospitais psiquiátricos, sobretudo nos serviços públicos? Podes me citar qual estatística sustenta que o número de doentes mentais abandonado nas ruas, dormindo sob viadutos, aumentou após a reforma anti-manicomial? Não, caro poeta, freqüentar serviços públicos, ao que tudo indica, não é a especialidade do Sr. Ferreira Gullar.

Mas isso não é tudo. O artigo, quem diria, parece ter sido escrito por alguém também versado em psicofarmacologia, cuja rispidez para falar da reforma anti-manicomial só é comparável à suavidade com a qual aborda as medicações neurolépticas, que, segundo ele, “não apresentam qualquer inconveniente”. Sancta simplicita! Já ouvistes falar da discinesia tardia, do parkinsonismo induzido, da acatisia...? A lista de efeitos colaterais é importante e extensa, somente com ela se poderia preencher essa página, lembrando-lhe que quem escreve essas linhas é um psiquiatra que não se furta a recorrer cuidadosamente aos medicamentos, quando eles se fazem necessários. Mas que nem por isso se permite destacar os neurolépticos como maior progresso no tratamento humanizado da doença mental, nem afirmar que “graças a essa medicação, as clínicas psiquiátricas perderam o caráter carcerário para se tornarem semelhantes a clínicas de repouso”. Tampouco posso aceitar que se reduza o restante da clínica a um repertório de divertissements, para retomar o termo tão lucidamente criticado pelo filósofo Blaise Pascal. Mencionas as salas de jogo, de cinema, teatro, piscina e campos de esporte, mas em nenhum momento encontramos, em seu escrito, sequer uma referência às verdadeiras práticas de condução clínica vastamente documentadas.

Estranha-me, enfim, caro poeta, que de tua arte máxima não tenhas se valido para fazer uma mínima menção à psicanálise, que, como a poesia, desde Mallarmé, sempre esteve atenta à afinidade estreita entre a loucura e a palavra que sobre ela mesma se dobra.

Antônio R. M. Teixeira - Médico, Psiquiatra, Mestre em Filosofia Contemporânea, Doutor em Psicanálise - Paris VIII, Professor Associado do Departamento de Psicologia da FAFICH-UFMG, editor da revista Estudos Lacanianos e da revista eletrônica www.clinicaps.com.br, destinada à publicação de artigos em Saúde Mental.

Uma Lei Errada???

Prezados amigos,

Recebemos muitos e-mails sobre o texto de Ferreria Gullar publicado na Folha de São Paulo e por isso estamos enviando alguns deles. Comente você também.

Sílvia Maria Soares Ferreira - Usuária da rede pública de saúde mental de Belo Horizonte, 1ª Tesoureira da ASUSSAM-MG (Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais), militante do Fórum Mineiro de Saúde Mental e membro da Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica.

Uma Lei Errada

A campanha contra a internação de doentes mentais foi inspirada por um médico italiano de Bolonha. Lá resultou num desastre e, mesmo assim, insistiu-se em repeti-la aqui e o resultado foi exatamente o mesmo.
Isso começou por causa do uso intensivo de drogas a partir dos anos 70. Veio no bojo de uma rebelião contra a ordem social, que era definida como sinônimo de cerceamento da liberdade individual, repressão "burguesa" para defender os valores do capitalismo.
A classe média, em geral, sempre aberta a ideias "avançadas" ou "libertárias", quase nunca se detém para examinar as questões, pesar os argumentos, confrontá-los com a realidade. Não, adere sem refletir.
Havia, naquela época, um deputado petista que aderiu à proposta, passou a defendê-la e apresentou um projeto de lei no Congresso. Certa vez, declarou a um jornal que "as famílias dos doentes mentais os internavam para se livrarem deles". E eu, que lidava com o problema de dois filhos nesse estado, disse a mim mesmo: "Esse sujeito é um cretino. Não sabe o que é conviver com pessoas esquizofrênicas, que muitas vezes ameaçam se matar ou matar alguém. Não imagina o quanto dói a um pai ter que internar um filho, para salvá-lo e salvar a família. Esse idiota tem a audácia de fingir que ama mais a meus filhos do que eu".
Esse tipo de campanha é uma forma de demagogia, como outra qualquer: funda-se em dados falsos ou falsificados e muitas vezes no desconhecimento do problema que dizem tentar resolver. No caso das internações, lançavam mão da palavra "manicômio", já então fora de uso e que por si só carrega conotações negativas, numa época em que aquele tipo hospital não existia mais. Digo isso porque estive em muitos hospitais psiquiátricos, públicos e particulares, mas em nenhum deles havia cárceres ou "solitárias" para segregar o "doente furioso". Mas, para o êxito da campanha, era necessário levar a opinião pública a crer que a internação equivalia a jogar o doente num inferno.
Até descobrirem os remédios psiquiátricos, que controlam a ansiedade e evitam o delírio, médicos e enfermeiros, de fato, não sabiam como lidar com um doente mental em surto, fora de controle. Por isso o metiam em camisas de força ou o punham numa cela com grades até que se acalmasse. Outro procedimento era o choque elétrico, que surtia o efeito imediato de interromper o surto esquizofrênico, mas com consequências imprevisíveis para sua integridade mental. Com o tempo, porém, descobriu-se um modo de limitar a intensidade do choque elétrico e apenas usá-lo em casos extremos. Já os remédios neuroléticos não apresentam qualquer inconveniente e, aplicados na dosagem certa, possibilitam ao doente manter-se em estado normal. Graças a essa medicação, as clínicas psiquiátricas perderam o caráter carcerário para se tornarem semelhantes a clínicas de repouso. A maioria das clínicas psiquiátricas particulares de hoje tem salas de jogos, de cinema, teatro, piscina e campo de esportes. Já os hospitais públicos, até bem pouco, se não dispunham do mesmo conforto, também ofereciam ao internado divertimento e lazer, além de ateliês para pintar, desenhar ou ocupar-se com trabalhos manuais.
Com os remédios à base de amplictil, como Haldol, o paciente não necessita de internações prolongadas. Em geral, a internação se torna necessária porque, em casa, por diversos motivos, o doente às vezes se nega a medicar-se, entra em surto e se torna uma ameaça ou um tormento para a família. Levado para a clínica e medicado, vai aos poucos recuperando o equilíbrio até estar em condições que lhe permitem voltar para o convívio familiar. No caso das famílias mais pobres, isso não é tão simples, já que saem todos para trabalhar e o doente fica sozinho em casa. Em alguns casos, deixa de tomar o remédio e volta ao estado delirante. Não há alternativa senão interná-lo.
Pois bem, aquela campanha, que visava salvar os doentes de "repressão burguesa", resultou numa lei que praticamente acabou com os hospitais psiquiátricos, mantidos pelo governo. Em seu lugar, instituiu-se o tratamento ambulatorial (hospital-dia), que só resulta para os casos menos graves, enquanto os mais graves, que necessitam de internação, não têm quem os atenda. As famílias de posses continuam a por seus doentes em clínicas particulares, enquanto as pobres não têm onde interná-los. Os doentes terminam nas ruas como mendigos, dormindo sob viadutos.
É hora de revogar essa lei idiota que provocou tamanho desastre.
Ferreira Gullar
Folha de São Paulo - 12/04/09
Conheça mais sobre ele em www.literal.terra.com.br/ferreira_gullar

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Antonio Lancetti em Uberaba

No dia 18 de maio, em Uberaba, Antonio Lancetti fará uma Oficina de Supervisão: Atenção Psicossocial ao Portador de Sofrimento Mental, para os Serviços de Saúde Mental interessados (serão 60 vagas individuais). Horário: 13h45 às 16h45. Valor: 25,00 por pessoa.
Local: Secretaria Municipal de Saúde - no SES (Salão de Educação em Saúde).
Endereço: Avenida Guilherme Ferreira, 1539, Uberaba-MG. Telefone: (34) 3316-4950
A noite, entre 19h00 e 22h, ele fará uma Palestra: Os desafios e os obstáculos para trabalhar em equipes multiprofissionais em saúde mental.
Local: Auditório do Centro Admininstrativo. Endereço: Av. Dom Luiz Santana, 141.
Público Alvo: estudantes e profissionais de saúde. Entrada franca.
Sugiro a leitura do livro Clínica Peripatética, dele, cuja cópia encontra-se no Ambulatório de Saúde Mental, para um melhor entendimento de seu pensamento:
Capítulo 1 - Reunião de experimentações ocorridas no campo da saúde mental, da pedagogia com crianças e jovens com vidas difíceis, na educação e na clínica psi;
Capítulo 2 - O modo de trabalhar nos CAPS. Fruto de uma preocupação crucial para o êxito ou o fracasso da Reforma Psiquiátrica Brasileira;
Capítulos 3 e 4 - O que a Redução de Danos traz como contribuição à clínica de dependentes de drogas e outras formas suicidárias de existência;
Capítulo 5 - O problema da Saúde Mental no PSF. A potencialidade terapêutica dos agentes comunitários de saúde. Explorando o que poderia ser chamado de uma transclínica;
Capítulo 6 - Conceitos de agenciamento e clínica ortográfica pela genialidade deleuziana.
A minha sugestão é que a Equipe de Saúde Mental e PSFs de Araxá se organizem para ir até Uberaba. Podemos formular algumas questões (duas ou três) relativas à reorganização dos serviços em Araxá, para que ele nos ajude a pensar. Além disso, teremos a possibilidade de aprender com as experiências dos demais serviços supervisionados.
A oportunidade é realmente imperdível! As inscrições estão sendo feitas no Caps Maria Boneca - 34.3333.0906.

A Política da Laranja Podre

A humanidade convive com as substâncias que hoje chamamos drogas há tempos, no entanto, os contextos, interesses e motivações para o uso têm variado significativamente. Atualmente, o consumo de álcool e outras drogas, com determinantes e motivações diferentes, atinge tanto as populações de baixa-renda quanto as classes média e alta. Não se trata apenas de produtos ilegais (maconha, cocaína, crack), mas do uso prejudicial de muitas substâncias legais como álcool, tabaco, medicamentos e inalantes (solventes).
As repercussões da produção, comercialização e consumo de drogas são percebidas nas várias interfaces da vida social: na família, no trabalho, no trânsito, na disseminação do vírus HIV, no aumento da violência, na corrupção das instituições, etc. São justamente os custos sociais, cada vez mais elevados, que tornam urgente uma ação enérgica e adequada. O dependente de drogas é, sem dúvida, o grande paradigma da nossa sociedade. Ele é o consumidor mais fiel a um produto, gerando uma demanda constante e em aumento, que tem na figura do comerciante, no caso das drogas lícitas, ou do traficante, para drogas ilícitas, o contraponto necessário para o seu consumo. Uma política apenas repressiva da produção e comercialização de drogas tem se mostrado insuficiente para conter este aumento.
É dentro deste conceito que se fala em Redução de Demanda. Há pouco mais de um mês atrás, o representante da Agência Antidrogas dos EUA dizia em sua entrevista para a Veja, que o Brasil precisa se concentrar na Redução de Demanda. Mas, afinal, o que será Redução de Demanda? O que é demanda? O Aurélio diz que demanda é: “ 1. Ação de demandar; 2. Ação judicial, processo, litígio; 3. Contestação, discussão, disputa; 4. Combate, peleja, pugna; 5. Pergunta; 6. Disposição de comprar determinada mercadoria ou serviço por parte dos consumidores, procura; 7. Quantidade de mercadoria ou serviços que um consumidor ou conjunto de consumidores estão dispostos a comprar a determinado preço; 8. Cota de quilowatts necessário ao consumo de uma cidade, empresa, indústria, etc.”
No dicionário de psicanálise não encontramos o verbete demanda, no entanto podemos pensar em algo não circunscrito ao externo. Precisaríamos falar então, de demanda interna/externa, demandas do indivíduo, do grupo, da sociedade. Vamos ouvir alguns depoimentos para entender o que é demanda para eles. Em dois dos mais recentes livros de sucesso lemos o seguinte:
“Em agosto de 1983, com o fim abrupto de um romance movido a álcool e cocaína com uma psicanalista carioca fui para Roma, ... nada melhor para curar uma rebordosa amorosa, e para sair da canoa furada da cocaína, numa outra cidade, num outro tempo, movido a arte e civilização... Em Roma me livrei da cocaína e da bebida. No Rio e em São Paulo, a cocaína reinava nas boates, nas festas, nos estúdios, nos escritórios e nas casas. E até nas areias escaldantes de Ipanema. Certo dia uma rodinha se formou em torno de uma barraca de um conhecido maestro, que esticou várias carreiras de pó, e todos cheiravam alegremente, em pleno sol do meio dia, entre barracas coloridas e vendedores de mate e limãozinho. Foi o fim da linha no Rio, a cocaína era tanta e em tantos lugares que era quase impossível sair do círculo viciado. Em Roma, onde eu conhecia pouca gente e ninguém do ramo, quebrar o hábito não foi difícil. A vida melhorou muito.” Nelson Motta (Noites Tropicais, 2000)
“Na verdade, por incrível que pareça, eu me envolvi com drogas porque elas eram um hábito corrente no meio em que eu vivia. Não vou dizer que todos se drogavam. O meu jovem grupo de amigos, sim. Eram muito loucos!... Nas boates que eu freqüentava haviam filas enormes e constantes nas portas dos banheiros. As pessoas se relacionavam intimamente naquele espaço exíguo e quase sempre promíscuo. Muitos ficavam horas e horas trancados nas cabines... Para se obter cocaína no Rio de Janeiro, bastava um telefonema: a droga era entregue no domicilio. Era uma espécie de pó delivery. Eu estalava os dedos e a coca chegava às minhas mãos... Recentemente um amigo meu, bilionário que morreu na Europa de overdose, ganhou uma sinistra performance no seu enterro: o cortejo parou para “homenageá-lo”, entre mesuras e reverências, cheirando “carreirinhas” de cocaína enfileiradas sobre o mármore das sepulturas.” Narcisa Tamborindeguy (Ai, que loucura! 2000)
Ouvindo os pacientes: “Sem a droga eu não sou eu mesma, eu não me reconheço” Amanda, 18 anos (dependente de cocaína, 1996)
“Sem beber eu trabalho, produzo, ganho dinheiro, mas a vida não tem a menor graça. A vida sem beber não tem prazer nem satisfação.” Eudo, 50 anos (dependente de álcool, 1995)
“Não tenho lembrança de nenhum momento de prazer, de descontração, de felicidade sem a bebida. O álcool sempre foi o mediador de minhas relações prazerosas com o mundo.” Edson, 53 anos (dependente de álcool, 1998)
A droga me faz sentir como um homem inteiro. Sem a droga eu sou pela metade, não consigo me relacionar com as pessoas. Sou incompleto... Quando uso a droga me sinto feliz, mesmo que seja só no começo, depois tenho um comportamento compulsivo e esta felicidade desaparece." Nelson, 45 anos (dependente de antidepressivo, 1999)
Deu no Jornal: “Dos 1594 homicídios registrados em Pernambuco, apenas 45 foram transformados em processos. Isto significa que somente 2,8% tiveram encaminhamento na Justiça. Dados das ONGs mostram que 79,3% dos crimes do estado nos seis primeiros meses deste ano não foram sequer identificados” Jornal do Comercio (Recife, 06 de julho de 2000)Quando se discute a cena midiática do seqüestro ao ônibus da linha, é destacada a ação do elemento drogado, assassinado depois de 5 horas do início do seqüestro. Vemos o uso de drogas ligado ao sofrimento individual, à angústia existencial; relacionado ao modismo, à pressão do grupo; produto da fome, da miséria, da injustiça social, da impunidade.
Como dar conta de tudo isso? De que demanda nós vamos falar? O que tem sido feito? Como temos enfrentado estes problemas? Em 1996 conversando com pais, professores e alunos de uma escola em Recife, uma mãe afirmava enfaticamente que o aluno que usa droga deve ser afastado da escola, senão, como uma laranja podre que apodrece todo o cesto, a permanência deste aluno na comunidade escolar disseminaria o uso de drogas em toda a escola. No início fiquei surpreso com a analogia, com a metáfora, depois me dei conta que é exatamente isto que vem sendo feito sistematicamente em nosso meio.
É como laranja podre que tem sido tratada a questão das drogas em todos os níveis. Algo perigoso, que deve ser abafado, reprimido, excluído. Há uma “política” instalada de excluir tanto o usuário quanto o dependente, entendido como porta-voz de todos estes males. O que acontece quando se adota esta política? Lembro um conto/crônica do Jaguar usado em um trabalho de classe de um dos meus filhos: O dia em que os jacarés invadiram Nova Iorque.
“Deu no jornal: experiências genéticas produziram minúsculos jacarés que foram vendidos aos milhares em Nova Iorque como brinquedo. Mas eles eram tão ferozes como seus ancestrais. Os pais, receosos de que seus filhos fossem mordidos, despejaram os jacarezinhos nos vasos sanitários e puxaram a descarga. Foi um erro fatal: centenas de jacarés sobreviveram e fizeram dos esgotos da cidade seu habitat e lá, durante muitos anos se reproduziram em cada geração. Sabe-se lá, dos insondáveis mistérios da genética, foram aumentando de tamanho e acabaram por produzir espécies muito maiores que os crocodilos do Nilo. Quando as autoridades se deram por conta, era tarde. Pelas saídas do metrô, pelas galerias de esgotos, pelo rio Hudson, milhões de jacarés ganhavam as ruas num ataque de surpresa e comeram grande parte da população. O mais espantoso ainda: os jacarés assimilavam a personalidade daqueles que devoravam, de modo que as estruturas da cidade não se alterou muito. Nem todos os habitantes foram comidos. Os jacarés que haviam comido os cientistas especializados em genética, começaram a fazer experiências com cobaias humanas, até que conseguiram produzir nos laboratórios, homenzinhos com apenas 20 cm de altura, que foram vendidos como brinquedo para os filhos dos jacarés. Mas os minúsculos seres, não haviam perdido a ferocidade de seus ancestrais e começaram a hostilizar seus donos com lanças improvisadas. Os jacarés com receio que seus filhos fossem machucados, pegaram os homenzinhos e despejaram nos vasos sanitários e puxaram a descarga. Foi um erro fatal para os jacarés.” Jaguar (O dia em que os jacarés invadiram Nova Iorque)
O não enfrentamento da realidade interna ou externa, a “Política da Laranja Podre”, gera o retorno do reprimido em geral de maneira incontrolável e destruidora. Ficamos a todo momento instados a dar descarga no que não compreendemos ou nos sentimos incapazes de enfrentar. A relação do homem com as drogas passa pela relação do homem consigo mesmo, para algumas pessoas a droga é a única maneira de sobreviver, de se sentir vivo. Se isto é verdade do ponto de vista psíquico, não é menos verdadeiro para o plantador de maconha no sertão nordestino. Sua sobrevivência está intimamente ligada à plantação da droga. Para a psicanálise, a toxicomania é um modo de responder aos padecimentos do nosso tempo, dizia o grupo de investigação do problema, em Barcelona/Espanha.
A imagem negativa que tem o dependente conceitualizado desde o século passado como praga social, não atende apenas à ameaça que representam as condutas de delinqüência, muitas vezes associadas a essa patologia. Está também no fato de que se trata de indivíduos diferentes em relação ao modo de gozar. Um gozo fora do gozo fálico que sustenta o mundo social. Um gozo mortífero, que resulta ameaçador, não só porque é auto-destrutivo, mas, porque supõe um perigo à ordem estabelecida pelo Outro social.
No seu livro "Droga, Psicanálise e Toxicomania" Ocampo enfatiza a importância de examinar o tipo peculiar de vínculo que estabelece o consumidor com a droga. A droga seria o objeto exclusivo de um prazer necessário. A relação de exclusividade do toxicômano com a droga é indissociável de sua intenção de rechaçar, de excluir, a todo possível companheiro de prazer, aspirando assim a um ideal narcisista de autonomia no gozo. A psicanálise tem tratado este tema de maneira muito ambígua. Assistimos às teorias mais desencontradas, sobre a elegibilidade ou não do paciente dependente para a análise. A mistificação, aliada às nossas próprias dificuldades, tem contribuído para que deixemos de ver que, os conceitos psicanalíticos e modelos metapsicológicos são os que mais se adequam para desarmar as armadilhas da rigidez da técnica e da indigência do pensamento comportamentalista.
É possível desmotivar-mos os indivíduos para o uso de substâncias que, quando experienciadas, são capazes de criar sensação de não haver falta? Perguntam-se os organizadores de um livro sobre toxicomanias. Não há tratamento químico para este sentimento de aniquilamento psíquico, há que se trabalhar psiquicamente este sentimento de falta, de incompletude. Só assim é possível criar outros caminhos de expressão e elaboração de seu sofrimento. Não há como ajudar efetivamente o plantador nordestino sem que se crie possibilidades concretas de desenvolvimento de caminhos alternativos, culturas substitutivas ao plantio da droga. Esta política de exclusão também aparece quando se caracteriza alguém como dependente. O diagnóstico significa a emissão de um juízo de valor e tem portanto um efeito segregador. O diagnóstico como uma forma de identificação que reúne um conjunto de sujeitos sob determinado significante, abolindo suas particularidades podem produzir marcas decisivas na vida de uma pessoa. Até entre os próprios consumidores de drogas temos segregação, seja em relação a droga de escolha ou à via de administração, temos observado que os usuários de cocaína e os UDIs são mais rechaçados do que os consumidores de álcool ou maconha. Evidente que o problema não é simples, e que não temos as respostas para todas as nossas perguntas, mas não aceito a afirmação de que neste campo não se sabe nada e portanto tudo pode ser dito e feito. Já sabemos muita coisa e principalmente já temos clareza do que não queremos.
Quando se fala em Redução de Demanda sempre vem junto a idéia de criação de novas leis restritivas, de novos métodos de abordagens. Novamente me socorro no já escrito, no já vivido e cito três artigos, dois do início do século e outro do final. Quase cem anos separam estes textos.
O primeiro, Machado de Assis em um conto de 1906: “A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais... havia a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhe tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas.” MACHADO DE ASSIS (Pai contra mãe, 1906)
O segundo, Antonin Artaud, dependente de ópio, em uma carta aberta de 1917, como reação à lei que proibia a venda livre da droga: “Senhores ditadores da escola farmacêutica da França, os senhores são todos uns petulantes mesquinhos; tem uma coisa que deveriam considerar melhor; o ópio é essa imprescritível substância que permite devolver à vida de sua alma àqueles que tiveram a desgraça de perdê-la. Tem um mal contra o qual o ópio é soberano e este mal se chama Angústia, em sua forma mental, médica, psicológica, lógica ou farmacêutica, como os senhores queiram. A Angústia que faz os loucos. A Angústia que faz os suicidas. A Angústia que faz os condenados. A Angústia que a medicina não conhece. A Angústia que o seu médico não entende. A Angústia que acaba com a vida. A Angústia que corta o cordão umbilical da vida. Pela sua lei iníqua, os senhores põem em mãos de pessoas nas quais eu não tenho confiança, castrados em medicina, farmacêuticos de porcaria, juízes fraudulentos, doutores de parteiras, inspetores doutorais, o direito de dispor de minha Angústia, uma Angústia que é em mim tão aguda quanto as agulhas de todas as bússolas do inferno. Tremores do corpo e da alma, não existe sismógrafo humano que permita a quem me olhe chegar a uma avaliação mais precisa de minha dor, do que aquela, fulminante, feita pelo meu espírito! Toda a fortuita ciência dos homens não é superior ao conhecimento imediato que posso ter do meu ser. Sou o único juiz do que se passa comigo. Voltem aos seus sótãos, médicos parasitas, e você também, senhor legislador Mountonnier, que não é por amor aos homens que você delira, é por tradição de imbecilidade. A sua ignorância acerca do que é um homem é apenas comparável à sua estupidez na pretensão de limitá-lo. Desejo que a sua lei recaia sobre o seu pai, sobre a sua mãe, sobre a sua mulher e os seus filhos, e toda a sua posteridade. Enquanto isso, suporto a sua lei”. ANTONIN ARTAUD (Carta ao Sr. Legislador, 1917)
O terceiro, outro francês, o professor Claude Olivenstein em, Ser Toxicômano no ano 2000, na Bahia em 1998: “Apostamos, que no ano 2000 a maioria dos toxicômanos que perturbam a vida dos cidadãos nos centros das cidades será, queira ou não, domesticada. Ao lado disto, nos países onde os governantes não disponham dos meios necessários para esta domesticação, os toxicômanos viverão uma vida cada vez mais miserável, engolirão qualquer coisa e desabarão em uma dor sem fim. Em resumo: podemos pensar que no próximo milênio haverá progressivamente maiores diferenças entre os países ricos e os países pobres; entre as classes ricas e as classes pobres. Para os pobres, o aparelho institucional será a aliança entre a polícia e os médicos. Seus objetivos mais ou menos confessados serão o de garantir a segurança das camadas dominantes. As medidas-alibi institucionais serão, essencialmente, meios de assistência mais numerosos e pouco eficazes. Quanto aos países ricos e às classes ricas, se bem que a questão da segurança esteja também presente, tudo se passará como se os toxicômanos alcançassem estruturas destinadas a "curá-los". Evidentemente, estarão disponíveis para eles instituições comportamentais onde aprenderão a se reprogramarem e a aceitar uma relação de dependência da droga." CLAUDE OLIEVENSTEIN (Ser toxicômano no ano 2000, Bahia, 1998)
Iniciando o terceiro milênio não podemos continuar amordaçando nossos dependentes como os senhores de escravos do início do século, ou consentindo um gozo domesticado no dizer de Olivenstein. Precisamos criar alternativas à Política excluidora da Laranja Podre, ou fatalmente veremos as modernas manifestações do retorno do reprimido e novas tentativas de segregá-lo. Muito obrigado!
Venho hoje, para dizer que não venho mais. Venho hoje, para dizer que não venho. Esta é uma demanda freqüente em nossos consultórios com toxicômanos.
Evaldo Melo de Oliveira - Médico/Psicanalista

Drogas: o impasse da paixão

Gilberto Velho, antropólogo da UFRJ, falando sobre a construção social da realidade diz que a sociedade humana é pela própria natureza um fenômeno complexo, e em suas relações com as drogas expressam simultaneamente uma relação com a natureza, e um processo singular de construção social da realidade. Ainda não se encontrou nenhum grupo em que não se registrasse algum reconhecimento de alterações significativas de percepção e relação com o mundo circundante. Sabemos também que estas alterações não são produtos exclusivos de ingestão de substâncias, estando freqüentemente associadas a transe e possessão, dissociadas da utilização de qualquer tipo de estimulante.
Erasmo de Rotterdam, em 1508, escrevia em Elogia à Loucura, que para os estóicos, sábio é aquele que vive de acordo com as regras da razão, e louco, ao contrário, é aquele que se arrasta ao sabor de suas paixões. Por isso que Júpiter com receio que a vida dos homens se tornasse triste e infeliz, achou conveniente aumentar muito mais a dose das paixões que da razão, de forma que a diferença entre ambas é pelo menos de um para vinte e quatro.
Maria Rita Kehl falando sobre o código do amor em os Sentimentos da Paixão destaca: Menos come e menos dorme aquele que está cercado por pensamentos de amor. O amante não pode saciar-se do gozo daquele que ama. O hábito excessivo dos prazeres impede o nascimento do amor.
Comentando sobre o assunto Zeferino Rocha em seu livro “Paixão, Violência e Solidão”, diz que a fome de amor é insaciável, porquanto o único objeto que seria suposto poder satisfazer esta fome, é um objeto para todo o sempre perdido. O registro da fome do amor não é a necessidade, é o desejo. O mandato superegoico, Goze, se traduz hoje pelo significante, Consuma. O consumo de drogas é inteiramente pertinente a esse contexto, há uma forte promessa de felicidade no consumo, uma aposta na satisfação possível de todas as demandas.
"É evidente que o desamparo humano aumentou com a pós-modernidade, pois com o fim das utopias e dos messianismos alimentados pela modernidade, não conseguem fazer frente às dores e desesperanças produzidas pela atualidade. As drogas lícitas dos botecos e das farmácias tendem à mesma solução, o evitamento da dor, de qualquer sofrimento possível. É por esse viés que se pode apreender o crescimento paralelo da indústria do narcotráfico e dos psicofármacos." (Joel Birman).
Claude Olivenstein na tentativa de compreender historicamente as instituições de tratamento para toxicômanos, começa citando Foucault. No fim da Idade Média a lepra grassava e os leprosos ocupavam um lugar importante na exclusão. O fim da lepra deixará um grande vazio e teremos de esperar um longo tempo por uma nova encarnação do mal. Vazios, os leprosários encontrarão novos pensionistas alguns séculos depois. O que tomará o espaço da lepra será a loucura.
Na contemporaneidade, a AIDS e as toxicomanias vêm ocupar esse lugar. Para isso, movida pelo medo, a sociedade busca o discurso médico e o discurso moral. A exclusão vem atender ao receio do contágio. É da mesma origem a exclusão de um portador do HIV, de seu quadro de clientes por um dentista. Um paciente meu passou por esta situação a semana passada. Ou a expulsão do adolescente que foi flagrado usando maconha no colégio. O discurso era exatamente o mesmo: não posso correr o risco de contaminar outros clientes. Tenho que proteger outros alunos de influências perniciosas.
Voltemos para as colocações iniciais do Gilberto Velho. As alterações de percepção da realidade não são produto unicamente das substâncias, sempre pergunto nas minhas conversas sobre drogas, se a platéia já teve a felicidade de viver uma grande paixão. Uma paixão como dizem os cronistas: avassaladora. Que características tem este estado? O que se passa com o apaixonado no aspecto físico, psíquico, relacional? Vejamos algumas respostas que se repetem: na paixão há uma grande dificuldade de separação, todo tempo junto não é suficiente, quando se está longe há sentimento de dor física com a saudade, há um desconforto quando se aproxima o encontro, o coração bate diferente, as mãos ficam frias, não se tem fome. O único assunto de seu discurso é seu amor e o objeto de sua paixão. Ele nunca tem defeitos, e se os tem não aceita que ninguém o diga. Gradualmente se afasta de outros interesses, outras pessoas, para se dedicar à vivência de sua paixão e ao amado. Imaginemos que este amado ou amada, seja um notório canalha, e está absolutamente claro para todos que esta relação terminará por provocar intensos sofrimentos ao apaixonado. Nada nem ninguém conseguirão dialogar no sentido destas evidências, e a pessoa que terminará por se afastar, se houver insistência. Estão descritos neste parágrafo todos os principais sintomas necessários para fazer um diagnóstico de dependência. Mas, não há droga, não há substância, todas as modificações físicas, psicológicas e relacionais aconteceram sem nenhum estímulo químico.
“Eu só me sinto eu mesmo quando estou sob o efeito da droga”, “Não há graça em viver sem droga, não sinto alegria, não tenho vontade de continuar vivendo”, ”Sem droga estou morto”. É preciso compreender que o sentimento do toxicômano é de ter encontrado seu objeto procurado. Aquele que elimina o sentimento da falta, da carência, do desamparo. O toxicômano tem outro tipo de gozo. Para Jacques Allan Miller “existe outro tipo de gozo que não passa pelo corpo do outro, mas pelo próprio corpo sob a rubrica do auto erotismo. É um gozo cínico. O uso do corpo, do próprio corpo, se dá para metaforizar o gozo do corpo do Outro. Esse curto circuito opera assegurando ao toxicômano o casamento com o próprio pênis.” O toxicômano vive o impasse da paixão. Seu objeto de amor é sua arma de destruição. Ele sabe, mas não quer se livrar. Ele quer, mas não pode se afastar. Ele não bebe para falar, ele fala bebendo. O toxicômano tornou-se paradigma da sociedade de consumo, já que ela exige consumidores fieis. O que mais choca na toxicomania é a monotonia, a repetição do mesmo ritual durante anos. Como ajudá-lo a quebrar esta monotonia, esta repetição? O que queremos negando ao toxicômano o direito de usar a droga? “O toxicômano é sujeito, não objeto, e deve ser respeitado em sua liberdade desviante”. “O contrário da dependência não é a abstinência e sim a liberdade”.
Mas estamos sempre falando do toxicômano chamado por Olivenstein de VERO, mas estes não são a maioria dos nossos clientes. Grande parte dos que me procuram ou estão nos consultórios dos colegas terapeutas aqui presentes, são usuários com outro grau de comprometimento, de gravidade. Para eles a possibilidade de exercitar uma relação diferente, verdadeira, possibilitará a discussão do uso e suas conseqüências. Para eles o uso da droga será uma paixão passageira da qual guardarão algumas lembranças. Boas e más. Não vamos entrar nesta armadilha de pensar que todo usuário de drogas é toxicômano, que todo deprimido se curará com medicação. Não vamos entrar nesta conversa que o usuário faz o tráfico, afastemo-nos do discurso fácil e escapista. A sociedade é muito mais complexa do que quer a Rede Globo. Devemos nos afastar do discurso farmacotóxico. As motivações humanas são muito mais complicadas do que as reações de causa e efeito. Saímos há muito do uso ritualístico das substâncias, não estamos ainda preparados para enfrentar o abandono, o desamparo provocado pela sociedade de consumo e pela globalização. O uso de drogas é uma tentativa mágica e trágica de enfrentar este sofrimento. Ficamos muito chocados com a divulgação de mais um parricídio, com toda razão, mas banalizamos as chacinas diárias de adolescentes ditos do mundo do tráfico. Somos contemporâneos de um dos maiores filicídios da história da humanidade. Estamos passivos!!!
Evaldo Melo de Oliveira - Médico/Psicanalista

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Redução de Danos

Ministério investe R$ 1,4 milhão em redução de danos por dependência de álcool e outras drogas
O Ministério da Saúde lançou hoje (16) edital, no valor de R$ 1,4 milhão, para o financiamento de projetos de instituições governamentais, não governamentais e universidades voltados ao fortalecimento das ações de redução de danos junto a usuários de álcool e outras drogas. As propostas devem ampliar o acesso desses dependentes aos serviços de saúde, melhorar e qualificar o atendimento oferecido a eles pelo SUS e fortalecer as ações comunitárias de redução de danos. De acordo com o coordenador da Área Técnica de Saúde Mental, Pedro Gabriel Delgado, o plano amplia a capacidade do SUS de enfrentar os problemas dos usuários de álcool e outras drogas. Segundo ele, a dependência de álcool é a primeira no ranking das drogas ingeridas no país, por cerca de seis milhões de pessoas, na faixa etária de 12 a 65 anos de idade. “Os dependentes de álcool representam 12% dessa parcela da população”, afirma Delgado. O consumo de outros entorpecentes, como maconha, cocaína, crack e solventes, não tem grande prevalência quando comparado a outros países da Europa e Estados Unidos. Os dados da pesquisa do Ministério da Saúde ― Vigitel 2008, lançada no início de abril ― revelaram que 21% da população masculina admitem dirigir depois de ter bebido. Essa associação entre álcool e volante tem contribuído para o aumento dos acidentes de trânsito. As consequências dessa associação estão no rol de objetivos dos projetos de redução de danos.
RESULTADOS POSITIVOS
Delgado destacou que a Política de Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde avançou no conceito de redução de danos, antes limitada ao controle da epidemia das DST/AIDS, inserindo a atenção integral ao usuário de álcool e outras drogas. “O importante é garantir a inclusão desses dependentes no sistema de saúde, sem exigir abstinência, e evitar a exclusão social”, disse o médico.A distribuição de camisinhas e seringas, para usuários de drogas injetáveis, prevista no plano de redução de danos, teve impactos positivos na diminuição dos casos de aids no Brasil. Entre os homens, a taxa caiu de 23,8%, em 1996, para 7,7%, em 2007. Nas mulheres, foi de 12,6% para 2,8%, no mesmo período. Sob o efeito de substâncias psicoativas, as pessoas ficam mais expostas a infecções pelo HIV/aids, outras DST e hepatites virais, tanto por compartilharem seringas, cachimbos, piteiras como por se descuidarem do uso do preservativo. O edital lançado hoje é uma construção conjunta do Programa Nacional de DST/Aids, da Secretaria de Vigilância em Saúde, e da Área Técnica de Saúde Mental da Secretaria de Atenção à Saúde. A origem dos recursos resulta de uma cooperação técnica do Ministério e a Agência das Nações unidas sobre Drogras e Crimes (UNODC), que destinará R$ 800 mil aos projetos. O restante é proveniente da Atenção Especial em Saúde Mental. O prazo para apresentação dos projetos vai de 20 de abril até 20 de junho deste ano e o valor de cada um não deverá ultrapassar o limite de R$ 100 mil. Embora o plano abranja todo o país, têm prioridade os municípios com 250 mil ou mais habitantes. Para atender os usuários de álcool e outras drogas, a rede de saúde mental conta com os Centros de Atenção Pssicosocial (CAPS), CAPSad, CAPSi e CAPS I, que estão localizados geralmente em municípios de 20 a 70.000 habitantes, que somandos totalizam 900 serviços aos dependentes. Atualmente, a cobertura da rede de saúde mental do SUS chega a 55%. Em 2001, esta cobertura era de 21%. Tendo em vista que cerca de 75% da população brasileira usa o SUS, estimamos que 65% da população brasileira está sendo atendida pela rede de saúde mental. O financiamento da saúde mental está aumentando ano a ano. Em 2002, o percentual da saúde mental no orçamento do MS era de 2,19%; em 2007, este percentual aumentou para 2,43%.
Escrito por SUS Qui, 16 de Abril de 2009 16:26

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Organização de Serviços - Diálogo Necessário

Quando pensamos em organização de serviços na rede pública de saúde, não podemos deixar de considerar, em hipótese nenhuma, a necessidade de que todas as ações sejam desenhadas e desenvolvidas em consonância entre si. A construção de Planos e Projetos de forma desarticulada resulta em ações desencontradas ou em falta de ação. Considerando-se a importância da inserção da Saúde Mental na Atenção Básica de Saúde (PSFs), por exemplo, espera-se que uma seja permeada pela outra intimamente. Para tanto, faz-se necessário que áreas extremamente afins funcionem sob uma lógica que seja harmônica. Novamente, a importância de compreender os princípios que regem o SUS se faz presente, para que tais articulações sejam possíveis. "Para que a Saúde Mental aconteça de fato na Atenção Básica é fundamental que os princípios do SUS se transformem em prática cotidiana. Na articulação entre a Saúde Mental e a Atenção Básica o Apoio Matricial constitui-se em um arranjo organizacional, visando ações conjuntas. Nesse arranjo, o profissional da saúde mental responsável pelo apoio participa de reuniões de planejamento das equipes de ESF, realiza ações de supervisão, discussão de casos, atendimento compartilhado e atendimento específico, além de participar das iniciativas de capacitação. Esse compartilhamento se produz em forma de co-responsabilização pelos casos, que pode se efetivar por meio de discussões conjuntas, intervenções junto às famílias e comunidades." A impossiblidade desse diálogo impede que ações de extrema importância para a população sejam viabilizadas.

terça-feira, 14 de abril de 2009

"Antidepressivos, Graças a Deus"

“Muito prazer, sou uma F34.1”. Assim a jornalista Catia Moraes, autora de Eu tomo antidepressivo, graças a Deus! (Record) manifestou o alívio que sentiu ao encontrar, na lista de sintomas elaborada pela CID-10, (Classificação Internacional de Doenças da OMS) a descrição dos transtornos de humor que “explicavam” sua depressão. A frase não é tão irônica quanto parece. A depressão, que muitos analistas e sociólogos consideram o sintoma mais expressivo das contradições sociais do século XXI, tornou-se, com o aval da ciência, uma prótese de identidade para os sujeitos perdidos entre as referências voláteis do mundo contemporâneo. Por isso mesmo, é uma doença com enorme potencial de mercado. Se os deprimidos incomodam por sua inapetência para a grande festa do consumo que anima a vida social no mundo industrializado, seu apetite por novas medicações vem alavancando as vendas da indústria farmacêutica, que crescem cerca de 22% ao ano no país e movimentam anualmente 320 milhões de dólares . Do ponto de vista da psicanálise, a depressão resulta do empobrecimento da vida psíquica, sobretudo no que se refere ao enfrentamento de conflitos. O abuso de soluções medicamentosas acaba por ser cúmplice deste encolhimento subjetivo. Daí que o avanço mercadológico dos antidepressivos não corresponda a uma diminuição dos casos de depressão. Bem ao contrário: a supressão química do sujeito do inconsciente só faz aumentar o mal estar. A introspecção, a tristeza, o recolhimento, a contemplação – a vida do espírito, enfim – são desvios que atrapalham o rendimento de uma vida cuja qualidade se mede por critérios de eficiência, competência e disponibilidade para a diversão. Observa-se um estranho conluio entre a medicina e a doença: a auto-identificação do deprimido responde às novas estratégias de vendas dos laboratórios farmacêuticos. Folhetos explicativos, editados pelos laboratórios e pelo Ministério da Saúde, alertam para os perigos deste mal insidioso e orientam o leitor a detectar os primeiros sinais da doença, em listas de sintomas tão abrangentes que praticamente qualquer um pode se incluir nela. A propaganda estimula o auto-diagnóstico – a busca do medicamento é mera conseqüência. O livro de Cátia Moraes arremeda esta estratégia. Admito, de boa fé, que a autora não tenha escrito sob encomenda de nenhum fabricante de antidepressivos. Não faz diferença; o livro é uma peça publicitária. Escrito em estilo “pra cima”, recheado de expressões joviais que celebram as delícias da vida monitorada pelos antidepressivos, o livro alterna depoimentos triunfantes de consumidores de remédios com capítulos informativos ao modo dos panfletos dos laboratórios farmacêuticos. A começar pela superficialidade: cinco páginas explicam o que é a neurociência, dez páginas resumem o que são e como agem os antidepressivos, outras seis relatam os milagres da “eletroestimulação”, oito enumeram os “transtornos de humor ou afetivos” – as quais incluem praticamente todas as manifestações de dor psíquica – e por aí vai. O texto todo exala o entusiasmo dos convertidos. Os casos “clínicos” parecem inspirados nas antigas propagandas de fortificantes ou remédios para emagrecer, na base do “eu era assim/fiquei assim”. Como toda boa estratégia publicitária, a argumentação da autora não deixa de contemplar possíveis argumentos críticos. Noblesse oblige, a “psicoterapia” é recomendada como valor agregado ao tratamento medicamentoso, sem qualquer consideração efetiva que relacione a depressão com o conflito inconsciente e o desejo. Para que, afinal? O desenvolvimento de medicamentos cada vez mais especializados, ao reduzir o sujeito a uma somatória de transtornos de comportamento, não só dispensou a psicanálise como tem provocado uma falência teórica no seio da própria psiquiatria, que abandonou a produção de teorias sobre as doenças mentais.
Maria Rita Kehl é psicanalista, autora de, entre outros, O tempo e o Cão: A Atualidade das Depressões (Boitempo: no prelo).

Porta de Entrada - Acolhimento

Em toda a Rede de Atenção em Saúde Mental de Araxá estão sendo organizados e reorganizados Grupos de Acolhimento, para que as pessoas tenham acesso aos Serviços de Saúde Mental. Esta é uma prática que já existia e que agora está sendo unificada e ampliada. São Grupos que contam com dois ou mais profissionais de saúde, incluindo o Psiquiatra, e que têm como objetivos principais: humanizar e universalizar o acesso, dar resolutividade aos encaminhamentos e, principalmente, interromper o ciclo de psiquiatrização e psicologização das demandas. Por meio de uma Escuta Qualificada, os profissionais ajudam as pessoas a entenderem melhor o quê e por que estão procurando algum tipo de auxílio. Esperamos que com a disseminação das Oficinas Terapêuticas por toda a comunidade, entre outras alternativas de produção de vida, as pessoas possam reinventar suas histórias com criatividade, para que não necessitem lançar mão o tempo todo de saídas tão pouco, ou nada propiciadoras de saúde. O anestesiamento e a eliminação do sujeito, do sofrimento e da falta, se fazem necessários quando não há a possibilidade de criar, inventar e viver dignamente. Bom mesmo seria se o Acolhimento pudesse ser a Porta de Entrada para todos os Serviços de Saúde da Rede. Será que é um sonho? Não. Este dispositivo já foi adotado em vários municípios do Brasil, incluindo grandes cidades. O SUS e o povo agradecem!

Supervisão Clínico-Institucional

A Supervisão para a Equipe de Saúde Mental está acontecendo no Ambulatório de Saúde Mental, todas às segundas-feiras, entre 7h30 e 9h30. Todos os profissionais da rede estão convidados a participar, trabalhadores do Ambulatório, das UNIs, PSFs ...

Supervisão Clínico-Institucional

O ofício da supervisão e sua importância para a rede de saúde mental do SUS

Exercido por profissionais de formação teórica e prática diversas, o ofício da supervisão apresenta algumas características comuns, no entendimento da CNSM, apresentadas a seguir:
1. A supervisão deve ser "clínico-institucional", no sentido de que a discussão dos casos clínicos deve sempre levar em conta o contexto institucional, isto é, o serviço, a rede, a gestão, a política pública. Assim, ao supervisor cabe a complexa tarefa de contextualizar permanentemente a situação clínica, foco do seu trabalho, levando em conta as tensões e a dinâmica da rede e do território. Em outras palavras: buscando sustentar o diálogo ativo entre a dimensão política da clínica e a dimensão clínica da política.
2. Escolhido pelo município onde se localiza o serviço e a rede, espera-se que o supervisor inicie sua tarefa contando com condições propícias de acolhimento pela equipe, de modo a também acolhê-la em suas dificuldades, tensões internas, sobrecarga, construindo um ambiente de trabalho favorável. Estudos (em relatórios preliminares) do edital MS/CNPq 2005 vêm mostrando que as equipes dos CAPS têm uma representação positiva de seu trabalho, mas se mostram muito desgastadas com as dificuldades concretas da gestão pública (somadas à complexidade da tarefa clínica que realizam). Cabe ao supervisor compreender esta dinâmica, desvelando-a para a equipe – multidisciplinar, heterogênea, com tradições teóricas diversas e fenômenos grupais inevitáveis -, de modo a ajudar no andamento da vida do serviço e na construção permanente do trabalho da equipe (marcado por vitalidade e conflito).
3. Qualquer que seja sua tradição teórica predominante, cabe ao supervisor enfrentar ele mesmo o desafio do novo cenário de sua prática (o CAPS e a rede pública de saúde), ajudando a equipe a buscar permanentemente, em cada caso clínico, a construção dos conceitos operativos de rede (de serviços de saúde, de outras políticas intersetoriais, familiar, social, cultural, laboral) e de território (o lugar da vida do sujeito, suas características culturais, suas interações significativas). Sujeito, rede e território articulam-se no projeto terapêutico, cujo objetivo final é ajudar o serviço e a rede a apoiarem o paciente e sua família na construção da autonomia possível.
4. Este "novo cenário" da prática do supervisor é o espaço social concreto e histórico da vida dos sujeitos e da instituição, no âmbito de uma política pública, o SUS. O supervisor deve trabalhar na direção da construção do SUS, buscando sempre vencer a dicotomia, que com freqüência se instala, entre as diretrizes gerais da política e a construção particular do cuidado clínico, que seja capaz de levar em conta a complexidade da dimensão existencial de um sujeito singular em um determinado território.
5. As 3 dimensões referidas (a supervisão como clínica e institucional; a integração da equipe de cuidado; e a construção do projeto terapêutico articulando os conceitos de sujeito, rede, território e autonomia) são características da tarefa da supervisão, e perfeitamente harmonizáveis com formações teóricas diversas (desde que o supervisor esteja aberto a exercer sua competência clínica no cenário peculiar da rede pública de saúde mental). Mas este desafio – de exercer a competência técnica no cenário da saúde pública, harmonizando as diversidades profissionais e teóricas - não é só dos supervisores, mas uma condição para o êxito mais permanente da Política Nacional de Saúde Mental.
6. Embora recente, a supervisão clínico-institucional em saúde mental já tem uma história. É uma prática que surge no contexto dos inicialmente chamados "serviços substitutivos", que hoje integram a rede de atenção psicossocial. Os novos supervisores precisam apropriar-se desta história, da política nacional de saúde mental, dos problemas e desafios dos novos serviços, do contexto do SUS. Inicialmente, sugerimos, para aqueles que não os conhecem, a leitura de um conjunto de documentos básicos da política (Manual dos CAPS, Relatório de Gestão 2003-2006, Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental, Saúde Mental e Economia Solidária, Saúde Mental da Criança e Adolescente, Legislação de Saúde Mental, WHO-AIMS Report Brazil 2007), facilmente acessíveis no endereço www.saude.gov.br/bvs/saudemental. Em seguida, vale a pena familiarizar-se com a recente produção teórica em torno do trabalho dos CAPS, da rede de atenção psicossocial e do próprio ofício de supervisão.
7. Para propiciar um diálogo viável e permanente, o Ministério da Saúde está buscando concretizar a proposta de uma "Escola de Supervisores", nascida do I Congresso Brasileiro de CAPS (São Paulo, 2004), um dispositivo capaz de permitir a difusão e intercâmbio do ofício de supervisor. Uma "Escola" aberta, pública, que permita a articulação entre os supervisores dos diversos territórios do país.
Atenciosamente,
Coordenação Nacional de Saúde Mental
Dezembro de 2007

Oficinas no Ambulatório de Saúde Mental

O espaço para as Oficinas no Ambulatório de Saúde Mental também está ficando restrito. Que bom! Assim como na Unileste, lá os usuários se encontram há anos, para conviver e produzir. As produções por lá andam intensas! Agora é pensar em que lugar naquela região, as Oficinas poderiam funcionar. No Centro de Convivência, no SESC ...? Onde? A novidade é que as parcerias não param de aumentar. A Daniela, nossa auxiliar administrativa e muito mais, também é cantora e está participando das Oficinas. A irmã dela, Elayne, que faz Faculdade de Design em Uberaba e já trabalhou na Cooperare, também está chegando para nos auxiliar. A mãe da Francielle doou uma máquina de costura. Que legal! Será que já podemos avistar uma Cooperativa em nossos horizontes? Uma Cooperativa de todos os usuários de saúde mental da cidade, ou de todos os usuários de saúde da cidade, ou de todos aqueles que quiserem reinventar a vida com alegria e solidariedade? Fiquei entusiasmada!

Grupo de Convivência - Unileste

O Grupo de Convivência que existe na Unileste há muitos anos, agora poderá ser ampliado e inserido na comunidade. O espaço já estava ficando pequeno! A Patrícia sugeriu que pudesse ser na Igreja daquela região, e a colega Zezé se colocou à disposição para falar com o Padre. Estávamos conversando sobre isso, quando o telefone da Zezé tocou. Adivinhem quem era? O Padre! Ele perguntou se ela havia ligado pra ele, e ela disse que não. Mais do que depressa ela já aproveitou para falar sobre a idéia com ele, que concordou prontamente. Agora falta apenas conversar com o Grupo e ir conhecer o espaço. A Francielle disse que a maior dificuldade enfrentada por eles, é com a falta de materiais para o funcionamento da Oficina - tecidos, tintas ... A máquina de costura também estragou. Temos que pensar em alternativas para esta situação. Enviem sugestões.

Geração de Renda e Cidadania

Em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Rural - SDR, no Projeto Limpando e Produzindo, a proprietária do terreno ao lado do Ambulatório de Saúde Mental, a Dona Marni, cedeu aquele espaço para que os usuários possam produzir hortaliças, vida e cidadania. A produção será revertida em benefício daqueles que participarem da Oficina. O pessoal da SDR, representado pelo Daniel, já providenciou a limpeza do terreno, as ferramentas que serão usadas pelos usuários, entre outras coisas. Agora, o Davi, que é casado com a Giovana, dentista da rede e sobrinha da Angela, nossa colega, está tentando conseguir o esterco na ARAP. Quem quiser colaborar de alguma forma, fale com a gente. A idéia é que possamos multiplicar esta ação em todas as regiões da cidade.

Antonio Lancetti em Uberaba

Olá, pessoal. No dia 18 de maio, Antonio Lancetti estará em Uberaba. Poderemos nos encontrar com ele à tarde e à noite. O formato desse encontro ainda está sendo definido pelos amigos da Fundação Gregorio Baremblitt (Caps Maria Boneca). Penso que será uma oportunidade imperdível !!! Em breve trarei todas as informações.

sábado, 11 de abril de 2009

Atualização em Saúde Mental - Maio 2009

Dia 08/05 - 8h às 12h - Princípios da Reforma Psiquiátrica - Jorge Bichuetti (Psiquiatra - Caps Maria Boneca)
13h30 às 17h30 - Os Transtornos Psíquicos Graves - Luiz Carlos (Psiquiatra - Caps Maria Boneca, Caps Uberaba e Saúde Pública Ibiá)
Dia 22/05 - 8h às 12h - O Recurso aos Psicofármacos como Auxílio ao Tratamento - Celso Peito (Psiquiatra - Caps Frutal e Saúde Pública Iturama)
13h30 às 17h30 - Abordagem dos Usuários Mais Frequentes das Unidades Básicas - Sandra Pimenta (Psicóloga Caps Uberaba)
Dia 29/05 - 9h às 12h30 - O Tratamento dos Portadores de Sofrimento Mental na Rede Substituiva ao Hospital Psiquiátrico - Fátima de Oliveira (Psicóloga - Caps Maria Boneca)
14h às 17h30 - Fórum de Discussão Sobre os Serviços de Saúde Mental da Microrregião de Araxá (formato a ser definido).

Local a ser definido.
Divulguem e convidem todas as pessoas interessadas, não somente os trabalhadores da saúde.
Inscrições: Ambulatório de Saúde Mental - 3691.7138 ou 7137.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Depressão e o Tempo


O que a teoria freudiana sobre a melancolia pode ensinar ao psicanalista sobre a clínica das depressões? Muito pouco, quase nada. No entanto, nos debates de que tenho participado recentemente em torno desse tema, assim como em textos de diversos autores sobre o mesmo assunto, não é incomum encontrar certa confusão entre as características dos quadros depressivos e melancólicos, que chegam a ser abordados, indiscriminadamente, como se fossem a mesma coisa. Não são. As características “depressivas” do melancólico – negativismo, falta de ânimo, falta de auto-estima, fantasias auto-destrutivas, distúrbios somáticos e outras tantas manifestações de dor psíquica – podem se parecer, empiricamente, com as dos depressivos. Mas assim como algumas crises histéricas e algumas construções de pensamento delirantes entre os obsessivos podem ser confundidas com sintomas psicóticos, a semelhança fenomenológica entre a tristeza e o abatimento dos melancólicos e dos depressivos não são manifestações da mesma estrutura psíquica. Tal confusão talvez se deva ao fato de Freud, cujo texto “Luto e Melancolia” (1915) trouxe uma contribuição decisiva e inovadora para a compreensão da clínica da melancolia, não ter dedicado nenhum texto ao tema das depressões. Se as noções de depressão, estados depressivos, psicose maníaco-depressiva, ainda não terminaram de ser resgatadas do campo exclusivo da psiquiatria para o da clínica psicanalítica, o termo “melancolia” aportou em terras freudianas depois de percorrer a cultura ocidental, desde Aristóteles, carregada de signos de sensibilidade, originalidade, nobreza de espírito e outras qualidades que caracterizam o gênio criador. Tais qualidades da alma humana não se encontram entre as observações de Freud a respeito dos sintomas melancólicos. A teoria freudiana da melancolia promoveu duas rupturas simultâneas: no plano clínico, seu texto de 1915 trouxe a melancolia do campo da medicina psiquiátrica – em que era chamada de “psicose maníaco-depressiva” – para o da clínica psicanalítica. No outro plano, o da história das idéias, o texto de Freud acabou de afastar definitivamente a melancolia da longa tradição pré-moderna das representações, predominantemente sublimes, atribuídas aos homens de caráter melancólico, desde a antiguidade grega. A teoria freudiana sobre a melancolia ocupou um lugar tão importante no pensamento clínico do início do século XX que o conceito de depressão foi praticamente englobado pelo de melancolia, quando não confundido com ela. Nos últimos trinta anos, no entanto, o crescimento a níveis epidêmicos dos diagnósticos de depressão impõe aos psicanalistas uma separação teórica mais rigorosa entre esses dois campos clínicos. É preciso empreender novos esforços conceituais para pensar a especificidade da depressão de modo a impedir que esta forma de mal estar, agravada pelas condições da vida contemporânea, seja inteiramente apropriada pela medicina e pela psicofarmacologia. A teoria da melancolia é insuficiente para subsidiar a clínica das depressões, esta forma de mal estar que a indústria farmacêutica vem tentando circunscrever exclusivamente sob seus domínios, como se o deprimido sofresse apenas desarranjos e déficits químicos em um corpo sem sujeito. Do ponto de vista da psicanálise, a depressão resulta do empobrecimento da vida psíquica, sobretudo no que se refere ao enfrentamento de conflitos. O abuso de soluções medicamentosas acaba por ser cúmplice deste encolhimento subjetivo. Daí que o avanço mercadológico dos antidepressivos não corresponda a uma diminuição dos casos de depressão. Bem ao contrário: a supressão química do sujeito do inconsciente só faz aumentar o mal estar. A introspecção, a tristeza, o recolhimento, a contemplação – a vida do espírito, enfim – são desvios que atrapalham o rendimento de uma vida cuja qualidade se mede por critérios de eficiência, competência e disponibilidade para o consumo e a diversão...
O tempo do sujeito e o tempo do Outro
Desde 2005 venho investigando a questão das depressões do ponto de vista da relação dos sujeitos com a dimensão do tempo, ao qual ele é introduzido através das práticas do Outro materno. Meu interesse é investigar a relação dos depressivos com a delicada temporalidade psíquica, em contraste com a velocidade da vida social. Se a psiquiatria explica a lentidão depressiva como resultante de um déficit nos neurotransmissores, do ponto de vista da psicanálise ela resulta da posição do sujeito diante do Outro. Na origem da posição depressiva, encontramos um sujeito atropelado pela urgência do Outro. O psiquismo, em Freud, é uma instância temporal que se inaugura a partir da espera de satisfação. O tempo que se inaugura com a espera de satisfação da pulsão é a primeira dimensão da falta que se apresenta ao infans, a partir da qual ele haverá de dar início ao trabalho de representação do objeto faltante. O psiquismo nada mais é do que uma rede de representações tecida sobre um fundo vazio. A pressa do Outro materno, o excesso de solicitude e/ou de ansiedade de certas mães em atender rapidamente às menores manifestações de insatisfação do infans, intercepta a temporalidade psíquica, favorecendo a posição depressiva do sujeito no fantasma. A sociedade contemporânea vem produzindo – e sofrendo com isso – uma invasão de formas imaginárias deste Outro apressado, que não admite nenhum tempo ocioso que não seja rapidamente preenchido por ações que visam satisfação imediata. Em função disso, o recuo do depressivo ocupa o lugar do sintoma social. Ao deprimir-se, ele tenta fugir do excesso de ofertas – que do ponto de vista do sujeito em formação, são entendidas como demandas – do Outro, para se refugiar debaixo das cobertas. Este é o lugar que caracteriza o recuo do depressivo em relação à vida. Segundo alguns autores , o ninho que o depressivo faz para si mesmo debaixo das cobertas, onde o tempo não passa, funciona de maneira paradoxal. “Debaixo das cobertas” o depressivo encontra tanto um esconderijo quanto um lugar de gozo, de onde tenta, mas não consegue, se proteger contra a ameaça de ser engolido pelo Outro materno. Quanto mais o depressivo recua, mais se coloca à mercê da demanda da “bocarra de jacaré”, na dramática expressão utilizada por Lacan para se referir à mãe do infans. O tempo, como bem escreve François Julien, é “a última figura da transcendência no seio do pensamento ocidental ”. Esta última possibilidade de pensar e também de experimentar a transcendência, através da multiplicidade dos fenômenos temporais, vem se reduzindo drasticamente. O homem contemporâneo vive tão completamente imerso na temporalidade urgente dos relógios de máxima precisão, no tempo contado em décimos de segundo, que já não é possível conceber outra forma de estar no mundo que não sejam as da velocidade e da pressa. “Aproveitar bem o tempo” é um dos imperativos da vida contemporânea. Na prática, tal mandato corresponde a uma série de possibilidades que de fato se abriram para o desfrute da vida privada, nas sociedades liberais. O indivíduo, sob o capitalismo liberal, dispõe de uma enorme variedade de escolhas quanto ao desfrute de seu tempo livre, não mais regulado pelos ritos e proibições da vida religiosa, nem limitado pelas horas de luz do dia ou pelo maior ou menor rigor das estações. Por outro lado a marcação que caracteriza o tempo do trabalho (de forma desproporcional à oferta efetiva de oportunidades de trabalho) invade cada vez mais a experiência subjetiva da temporalidade, mesmo nas horas ditas de lazer. Não me refiro ao ócio, esta forma de passar o tempo tão desmoralizada em nossos dias, mas às atividades de lazer, marcadas pela compulsão incansável de produzir resultados, comprovações, efeitos de diversão, que torna a experiência do tempo de lazer tão cansativa e vazia quanto a do tempo da produção. Nada causa tanto escândalo, em nosso tempo, quanto o tempo vazio. É preciso “aproveitar” o tempo, fazer render a vida, sem preguiça e sem descanso. A este imperativo, como veremos, o depressivo resiste com sua lentidão, seu mergulho angustiado e angustiante em um tempo estagnado – um “tempo que não passa ”. Se existe uma relação entre o estado subjetivo que os antigos chamavam de melancolia e a percepção do tempo – chamo a atenção para a freqüência com que encontramos ampulhetas entre os instrumentos que cercam as figuras dos melancólicos, a partir do Renascimento – esta relação se expressa de maneira dramática na lentidão dos depressivos contemporâneos, incapazes de atender à urgência das demandas do Outro. Tal lentidão, que se apresenta tanto aos olhos do sujeito deprimido quanto aos dos psiquiatras como mais uma entre as muitas disfunções características da depressão, talvez tenha algo a ensinar ao psicanalista. É razoável supor que a temporalidade moderna sacrifica o sujeito a seus imperativos; vale perguntar, então, de que ordem é a recusa que a depressão impõe a alguns sujeitos desviantes dessa norma contemporânea que insiste em anunciar: o futuro já começou. Não nos precipitemos. Ainda que, de acordo com Freud, a aniquilação seja o objeto definitivo do gozo da pulsão de morte, não devemos nos deixar fascinar, na clínica, pela negatividade dos depressivos. Se com sua recusa eles se aproximam perigosamente da verdade sobre o vazio Real que funda o psiquismo, o apego à negação dos depressivos deve ser entendido principalmente como o avesso de uma urgência. Sua lentidão encobre a inapetência característica daqueles que tiveram sua demanda antecipada pelo Outro e se vêem incapacitados para preencher este inquietante rodeio entre o nascimento e a morte, a que chamamos vida. Ao contrário do melancólico, abatido pela sombra de um objeto que não compareceu a tempo, os depressivos, preenchidos pela solicitude do Outro, foram poupados de inventar seus próprios jogos de fort-da – daí decorre o sentimento de vazio interior de que se queixam em análise. Instalados em um tempo que lhes parece vazio, sob sua aparente imobilidade, os depressivos estão mais próximos de encontrar a temporalidade distendida da contemplação e do devaneio do que os neuróticos mais bem adaptados às condições que a vida social lhes impõe. O tempo vazio do depressivo recusa a urgência da vida contemporânea e remete a um outro modo de viver o tempo, que a modernidade recalcou ou pelo menos, reprimiu. O psicanalista que escuta um depressivo deve ficar atento para a dimensão deste saber sobre o tempo que se encontra encoberto pela sua imobilidade angustiada. A indústria farmacêutica se empenha em oferecer ao depressivo substâncias capazes de levantar seu ânimo, colocá-lo em movimento, adaptá-lo ao tempo do Outro. A psicanálise, em contrapartida, lhe oferece a perspectiva de um percurso sem pressa, a partir do qual ele possa criar, ou redescobrir, suas próprias modalidades rítmicas de jogar com a falta, suas próprias brincadeiras de fort-da.