quarta-feira, 22 de abril de 2009

Traduzir-se

Olá Pessoal

A coisa tá repercutindo e acho que Gullar vai é nos ajudar, ao contrário do que imaginávamos.

Hoje, no Blog do Bruno Galiasso (o rapaz que surtou na novela Caminho das Indias - Rede Globo) está publicada a carta do Gullar , e o Bruno pede que os leitores enviem para ele comentários sobre esta carta. Acho que é hora de enchermos este blog de comentários, afinal precisamos usar esta oportunidade a favor da nossa causa.

O endereço segue abaixo:

http://gagliassoblog.com/2009/04/15/lei-errada/#comment-38

Então mãos à obra. Quem escreveu alguma coisa envie e quem ainda não escreveu, não perca essa oportunidade.

Deixo regitrada aqui a resposta que deixei no Em Defesa (Folha de São Paulo). Peço que os companheiros divulguem porque a Folha não publicou.

Prezado Ferreira Gullar

Certa vez você escreveu assim:

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


Quero acreditar que quem escreveu a coluna deste domingo de páscoa tenha sido apenas uma parte de você. Uma parte que não conhece os enormes avanços que a Reforma Psiquiátrica Brasileira e a lei (à qual você se refere como idiota), puderam fazer na vida e na história dos milhares de familiares e usuários com os quais lidamos no nosso dia-a-dia de trabalhadores da Saúde Mental. Antes desta lei - que não foi daquelas que surgiu de traz da orelha de um cretino qualquer, mas resultado de um processo de mais de 10 anos de discussão, luta, enfrentamentos e negociações. Familiares e pacientes tinham no manicômio único modo de ter e oferecer "tratamento" para suas loucuras ou doenças mentais. A mesma parte que desconhece que existem sim em nosso País e em outros manicômios, com este nome ou com outros mais amenos que continuam a ferir direitos mínimos dos seus "frequentadores". Manicômios que ainda mantêm pessoas encarceradas por 20, 30 ou mais anos, condenadas à reclusão simplesmente pelo fato de serem doentes mentais.

Não quero acreditar que um poeta sensível como você consiga enxergar na doença de seus filhos somente pessoas dispostas a matar ou morrer quando estão em crise. Outra parte de você, certamente, conhece muitas outras facetas e singularidades que só quem convive de perto com a esquizofrenia ou outras doenças mentais pode experimentar. Por isso minha carta é um convite... um convite para que você escute a outra parte de si mesmo e dessa história que você conta de maneira rasteira e parcial, uma história que tem lá suas dificuldades e imperfeições (e bem sabe você que num mundo perfeito não haveriam poetas). Mas é uma história bonita e legítima, que merece no mínimo respeito. Convido outra parte de você a conhecer um CAPS (ou serviço desse tipo) e escutar o depoimento de usuários e familiares que lá frequentam, e que puderam mudar suas histórias por causa das transformações que esta lei provocou em suas vidas. Uma parte de você também não sabe que a hospitalização, de qualquer natureza, não é mais a única solução para as chamadas crises, existe muito mais a se fazer... Outra parte de você também ficaria encantado em saber que esta lei contruiu muito mais coisas do que descontruiu, descontruiu os manicômios, mas construiu um sem número de outras possibilidades, dispositivos, formas de tratamentos, além de muita arte, música e poesia... Creio sinceramente que quem escreveu este artigo é a parte de você que ainda não conheceu a outra parte da história. Então venha conhecê-la, tenho certeza de que nenhuma parte de você irá se arrepender.

Saudações antimanicomiais

Rita de Cássia de A. Almeida

Juiz de Fora/MG

Trabalhadora de CAPS e militante da Reforma Psiquiátrica brasileira há 12 anos.

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