quarta-feira, 2 de junho de 2010

Porta Fechada

Sartre escreveu Teatro de Situações para estimular os franceses a lutar contra o nazismo. Suas peças teatrais denunciavam veladamente a ocupação nazista. Em 1944, escreveu a peça Huis clos (Portas fechadas), traduzida no Brasil com o título: Entre quatro paredes.
Entre quatro paredes mostra a situação do absurdo, da incomunicabilidade, do controle sobre as pessoas. Numa sala com estatueta de bronze, símbolo de insensibilidade, Sartre coloca três personagens: um homem e duas mulheres. Garcin fugira do combate, alegando ser pacifista. Um "covarde". Estelle, da alta sociedade, engravida, vai dar à luz na Suíca e lá joga a criança num lago. É "infanticida". Inês é funcionária pública. Não gosta de homem. Enamorou-se de mulher casada. E o esposo desta, desesperado, suicidou-se. Inês define-se: " Sou má, preciso do sofrimento dos outros para existir". É cruel.
Os três personagens agem e reagem como "mortos vivos". Aos poucos, cada qual vai sendo desnudado. Nenhum consegue esconder sua vida. Todos ficam expostos ao "olhar" de todos. Humilham-se. Hostilizam-se. E Inês diz: "Estamos no inferno. Condenados".
Sartre apresenta o "olhar" como forma de devassar e fiscalizar a vida dos personagens. "Não quero apodrecer em seus olhos", diz Garcin a Estelle. A conversa dos três é irônica e frustrante. Garcin reclama silêncio, mas inês e Estelle continuam a tagarelar. Os três mantêm "olhar" vigilante. Cada um crava o olhar nos outros. Garcin quer escuridão para fruir intimidade com Estelle. Inês lembra que ali nunca há escuro e que os dois estão sob o seu olhar implacável. Olhar de "gestapo". Revoltada, Estelle apanha uma faca para matá-la. Irônica, Inês diz que já está " morta". Desatinado, Garcin quer ir embora. Mas a sala está trancada. Por fim, a porta é arrombada. Os três estão indissoluvelmente atados entre si. E cada um é "carrasco" para os outros. Inês arremata: "Temos de ficar juntos, sozinhos, até o fim".
Garcin resvala a mão pelo "bronze" insensível e sente que está no inferno. "Aqui, as lágrimas não correm." E acrescenta: "Todos esses olhares me devoram". Garcin descobre que o inferno não é enxofre nem fogueira. E profere a sentença agressiva: "O inferno são os outros".
Entre quatro paredes mostra que os seres humanos podem estar na mesma sala e "infernar-se" psíquica, política e moralmente. As pessoas castigam-se com a insensibilidade, o cinismo e o ódio. São estátuas de bronze frio com olhar ferino. Garcin diz a Estelle: "Darei a você o que puder. Amor, não".
Sartre salienta que a prisão pode ser piscoética, e não apenas física. O talento do filósofo analisa a situação existencial de seres humanos que se trancam pela presença recíproca, mesmo que não haja paredes. Mas, no mundo fechado, Sartre abre uma fenda de esperança. "A gente é o que a gente quer ser." O homem tem a possibildade de inventar a sua vida. E não ser carrasco para outros nem prisioneiro dos outros. A linguagem comunicacional pode reabrir-se. E os "outros" poderão ser irmãos. E não " inferno".

Antropologia
Ousar para reinventar a humanidade
Juvenal Arduini



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